“Governar é construir estradas”. A afirmação de Washington Luís, Presidente do Brasil entre 1926-1930, procurava destacar a importância da infraestrutura de transportes para o desenvolvimento da economia: boas estradas reduzem o custo de transportes e, portanto, o preço final dos produtos, tornando-os mais acessíveis ao consumidor e mais competitivos com os concorrentes. Também permitem que cada região se especialize nas atividades econômicas para as quais tenham maior vocação (agricultura, pecuária, serviços, etc.), gerando ganhos de produtividade e qualidade para toda a economia. A redução do tempo de viagem entre duas cidades permite aumentar os laços econômicos e sociais (é possível morar em uma cidade e estudar, fazer compras e consultar médicos em outra cidade, por exemplo), o que aumenta o universo de escolha dos consumidores e a concorrência entre as empresas.
Obviamente quando se fala em infraestrutura não se está falando apenas em estradas. A construção de usinas hidrelétricas aumenta a oferta de energia no país e viabiliza a expansão das indústrias. Sistemas de irrigação facilitam a expansão da agricultura para terras antes consideradas impróprias para cultivo. Portos eficientes reduzem os custos das exportações aumentando a capacidade das empresas nacionais para vender seus produtos no exterior, o que aumenta o emprego no país.
Os investimentos em infraestrutura também podem ter importante impacto na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida da população de menor renda. Há um efeito direto de aumento da oferta de empregos e salários quando a economia cresce e se torna mais eficiente e competitiva. Mas há, também, um aumento no valor de mercado do patrimônio da população pobre quando a sua residência passa a ser servida por rede de esgoto, água e telefone. Da mesma forma, a propriedade rural passa a valer mais quando uma estrada facilita seu acesso à cidade mais próxima. A redução de incidência de doenças na população pobre, decorrente da expansão do saneamento básico, se reflete em aumento da capacidade de aprendizado escolar das crianças e da capacidade laboral dos adultos. Telefones e demais sistemas de comunicação eficientes e baratos permitem que pequenos negócios informais tenham custos operacionais baixos e possam crescer, pois se torna barato encontrar novos negócios (torna-se mais fácil construir uma ponte entre comprador e vendedor). Além disso, uma comunicação melhor permite agilizar a pesquisa por matérias-primas de menor custo e aperfeiçoar as condições de negociação de venda de safra pelo pequeno produtor rural. Transportes urbanos rápidos e baratos dão liberdade para se optar por uma residência mais distante, com preços mais acessíveis.
Todas essas vantagens do investimento em infraestrutura podem se perder se os investimentos forem mal feitos, se os custos forem superfaturados, se o material utilizado nas obras for de má qualidade, se a infraestrutura construída não for submetida a periódica manutenção. Uma estrada que ligue o “nada” a “lugar algum” não terá efeitos positivos sobre a economia e representará desperdício de valiosos recursos públicos. Uma estrada esburacada não realizará todo seu potencial de reduzir custos e aproximar lugares distantes.
Outro problema relevante é a subordinação das decisões sobre que obras devem ser executadas aos interesses econômicos das empresas que fazem as obras. Não é difícil imaginar que um eficiente lobby convença gestores públicos a fazer um investimento que não seja prioritário ou necessário para a população, mas que seja lucrativo para os construtores e fornecedores. As possibilidades de corrupção também são grandes.
Para que os investimentos públicos em infraestrutura realizem todo seu potencial benéfico à população é preciso que o estado tenha capacidade técnica para planejar e monitorar investimentos (e evitar ficar a reboque de projetos apresentados por empreendedores privados, que têm interesse em lucrar com a execução do projeto e menor interesse na eficácia da infraestrutura quando esta estiver pronta). Também é fundamental que existam mecanismos de estado que promovam avaliações independentes dos projetos (por instituições de controle como o TCU e a Controladoria Geral da União), para que haja uma checagem dos projetos elaborados pelo governo. É importante que se tenha uma lei de licitações que garanta efetiva competição entre os candidatos a realizar a obra, evitando conluios e cartéis. Fiscalização das obras (qualidade do material empregado, cumprimento de prazo, correta execução dos projetos, etc.) é outro componente fundamental.
Falhas nesses quesitos fizeram com que os investimentos públicos em infraestrutura no Brasil muitas vezes aparecessem para a população como fonte de desperdício de recursos, perdendo apoio entre os eleitores. Por outro lado, a realização de políticas que geram benefícios mais imediatos aos eleitores, as chamadas “políticas sociais” (tais como o aumento do salário mínimo, a criação de ajuda financeira aos pobres e a expansão da quantidade e do valor das aposentadorias) mostraram ter importante impacto na popularidade dos políticos, facilitando sua eleição ou reeleição.
Junte-se a isso a necessidade de manter o equilíbrio das contas do governo, e tem-se uma situação em que a expansão dos gastos com as políticas sociais acaba levando à necessidade de se frear os investimentos em infraestrutura. Não se está aqui julgando que as políticas sociais são inapropriadas (este deve ser assunto de para outro texto analítico). Faz-se apenas a constatação de que o seu crescimento ocupou o espaço dos investimentos na composição da despesa pública.
Além disso, nos diversos episódios de crises nas contas do governo (motivada não só pela expansão das políticas sociais, mas também por expansão ineficiente da máquina pública), em que se fez necessário um corte abrupto de despesas, os investimentos em infraestrutura se tornaram o principal alvo dos cortes. É fácil entender os motivos. O primeiro motivo é que o corte de um único investimento de grande valor já gera significativa redução de despesas, enquanto que o corte de despesas correntes (salários, benefícios sociais, manutenção dos órgãos públicos, etc.) precisaria ser feito em diversos programas, para que a soma total equivalesse ao valor cortado no investimento. O segundo motivo é que há restrições legais ao corte de importantes despesas correntes (há limites para a demissão de pessoal, não se pode reduzir o valor dos vencimentos dos servidores, a constituição obriga a realização de um montante mínimo de gastos em saúde e educação, etc.). O terceiro motivo é que investimentos em infraestrutura são gastos que ainda não trouxeram um benefício concreto para a população – esse benefício somente se materializará quando a obra estiver completa. Já o corte de programas sociais traz um prejuízo imediatamente sentido pela população afetada e, por isso, é mais custoso politicamente. Daí a preferência pelo caminho mais fácil: adiar ou cancelar investimentos públicos em infraestrutura.
Como conseqüência desses fatores, o investimento público em infraestrutura no Brasil caiu de 3,6% do PIB no período 1981-1986 para 1,15% no período 2001-2006, de acordo com estudo de Calderón e Servén[1]. O mesmo estudo mostra que, em decorrência dessa redução de investimentos, o Brasil, na comparação com outros países emergentes, ficou para trás em termos de quantidade, qualidade e acesso da população a estradas, energia elétrica, telefones, internet, água e saneamento. A conseqüência é a perda de eficiência e competitividade da economia, com redução da possibilidade de crescimento econômico, de geração de emprego e renda e de redução da pobreza.
A reversão desse quadro desfavorável passa, em primeiro lugar, pela recuperação da capacidade do estado brasileiro para planejar e gerir investimentos públicos em infraestrutura, de acordo com os pontos já listados acima, desde a elaboração de um bom plano de investimentos até uma boa fiscalização de obras e adequada manutenção da infraestrutura já existente.
Quando a população passar a enxergar nos investimentos públicos de qualidade um efetivo caminho para melhorar sua qualidade de vida, haverá um natural arrefecimento da demanda por medidas imediatas de assistência social para alívio da pobreza e por aumentos salariais via elevação do salário mínimo. Fazer obras boas, úteis e necessárias obras voltará a dar votos.
Um segundo caminho para lidar com a falta de recursos públicos para financiar investimentos é recorrer aos investimentos privados em infraestrutura, tema que será abordado em outro texto.
Para ler mais sobre o tema:
Banco Mundial. Avaliação da gestão da eficiência do investimento público. Outubro de 2009. Disponível em http://www.njobs.com.br/2-seminario-orcamento/public/palestras.php – painel 1, painelista Jim Brumby.
Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.
Frischtak, C. O investimento em infraestrutura no Brasil: histórico recente e perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 38, n. 2, ago 2008, p. 307-348.