Por Carlos Eduardo Dias Pereira*
- Introdução
Por meio da Lei nº 9.478/1997 foi criada a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, na figura de autarquia federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A ANP é responsável por regular as indústrias do petróleo, gás natural e biocombustíveis no Brasil, abrangendo desde a exploração e produção até a distribuição e revenda de combustíveis.
Com a criação da ANP e o consequente início, em 1999, das rodadas de licitações para exploração e produção de petróleo e gás natural surge a primeira exigência de Conteúdo local – CL por meio da Cláusula de Conteúdo Local dos contratos de concessão.
Passou-se a demandar, com isso, que parte dos bens e serviços seja nacional e que fornecedores brasileiros tenham preferência quando suas ofertas são equivalentes às de outros fornecedores. O objetivo é aumentar a participação da indústria brasileira, promover o desenvolvimento tecnológico, capacitar recursos humanos e gerar emprego e renda.
- Funcionamento
Conforme dito, desde 1999 a cláusula de CL está presente nos contratos de concessão nos setores de petróleo e gás natural. Inicialmente, as empresas ofertavam livremente percentuais de CL que serviam como um dos itens constituintes para a determinação da oferta mais vantajosa para aquisição dos blocos em oferta. Este modelo esteve em vigor até a Quarta Rodada de Licitações, em 2002. Na Quinta Rodada, realizada no ano de 2003, o CL passou a contar com percentuais mínimos e diferenciados para os blocos em oferta.
A partir da Sétima Rodada, em 2005, foram instituídas faixas de percentuais mínimos e máximos de CL e a introdução de planilhas com itens e subitens, em que a operadora ofertante poderia alocar pesos e percentuais em cada um dos referidos itens. Também foi publicada a cartilha de CL como ferramenta de medição de Conteúdo Local contratual. A medição do CL passou a ser feita por empresas habilitadas pela ANP (certificadoras).
O conteúdo local da 1ª Rodada do Regime de Partilha (regime definido para as áreas localizadas no polígono do pré-sal e outras consideradas estratégicas), realizada no ano de 2013, foi objeto da Resolução-CNPE nº 5/2013. Nessa resolução houve a determinação de percentuais diferenciados mínimos dos praticados nas rodadas de concessão. Os percentuais determinados foram os seguintes: 37% para a fase de exploração, 15% para o Teste de Longa Duração (TLD) para o caso de a atividade fazer parte da fase de exploração, 55% para módulos da etapa de desenvolvimento que iniciarem a produção até 2021 e 59% a partir de 2022.
- Desafios e Impactos
As seguidas alterações realizadas nas cláusulas de política local não foram precedidas de estudos técnicos e avaliações estruturadas, o que resultouno cumprimento de índices de conteúdo local abaixo do pactuado, aumento da insegurança jurídica e uma instabilidade regulatória no setor de óleo e gás nacional.
De forma mais específica, essas criticidades ocasionaram atrasos nas entregas de equipamentos e na prestação de serviços que impactaram no cumprimento dos prazos contratuais, resultando na postergação da produção de óleo e gás natural. Da mesma forma, houve uma elevação no número de multas por não alcance dos índices pactuados, dificultando o cumprimento dos contratos e contribuindo para a diminuição da atratividade das áreas disponibilizadas nas novas Rodadas de Licitação de Blocos. Criou-se ainda, por reflexo, outro problema: a transformação da ANP em um balcão de negociações com as operadoras, expondo-a a situações não recomendáveis de relacionamento entre regulador e regulado.
É oportuno dizer que a modelagem da licitação para escolha do operador a ser contratado é do tipo “leilão selado de primeiro preço”, no qual cada player submete um lance dentro de um envelope fechado. O player com maior lance arremata o objeto e paga o preço que ele propôs, após a abertura simultânea dos envelopes de todos os participantes pelo leiloeiro.
Nesse tipo de modelagem o objetivo principal do licitante – no caso, a ANP -, é a concessão da exploração da área para o provedor mais eficiente associado à geração do maior volume de receitas para o Estado.
Isso porque, conforme Mattos (TCU, 2021), os players que atribuem maior valor ao objeto leiloado tendem a ser os relativamente mais capazes de gerar valor agregado na exploração da atividade, ora porque trabalham com menores custos, ora porque trabalham com maior qualidade (que gera mais receitas). E os que são capazes de gerar o maior valor agregado são, em geral, aqueles que geram mais lucros e, portanto, estão dispostos a pagar mais pela delegação do serviço e, sob certas condições, também são usualmente aqueles que, de fato, fazem os lances mais agressivos e ganham o certame.
Por conseguinte, a modelagem da licitação pelo leilão com o objetivo de maximizar receitas tende a se constituir também em um procedimento que privilegia a eficiência da alocação dos objetos, ou seja, ganha-se o mais eficiente.
Aquele balcão de negociaçõesde CL com as operadoras, então, pode configurar certa conspiração contra essa modelagem que busca a eficiência.
A possibilidade de pedido de isenção e ajuste citados reduz, por um lado, a camisa de força que é a Política de Conteúdo Local. Por outro lado, amplia o espaço de comportamento oportunista. O vencedor deu um lance alto não porque é mais eficiente, mas porque acredita que tem boa capacidade de lobby nos ministérios e agências, maculando, assim, a lógica do leilão que é descobrir quem é o mais eficiente.
- Programas de Apoio à Política de Conteúdo Local
Como estratégia de buscar os aperfeiçoamentos necessários à Política, o Governo Federal apresentou soluções, à medida que as crises iam surgindo, na forma de programas de apoio.
Programas de Apoio
- PROMINP (2003): O Governo Federal, por meio do Decreto nº 4.925, de 19/12/2003, lançou o Programa de Mobilização da Indústria do Petróleo e Gás Natural – PROMINP, com a participação de diversas entidades representativas da indústria nacional de petróleo e gás natural – operadoras, associações empresariais, federações da indústria e o governo, materializando-se em um fórum permanente de discussões para atuação em três áreas principais: qualificação, inovação tecnologia/desenvolvimento e política industrial.
As iniciativas principais se voltaram para o treinamento de mão de obra qualificada, promoção de novas tecnologias industriais com foco na competitividade e apoio a novos mecanismos de financiamento. O maior êxito no programa foi a capacitação de mais de 100.000 trabalhadores, porém com o agravamento da crise no setor a partir de 2014, o mercado não conseguiu absorver esse quantitativo de mão de obra qualificada e o programa foi descontinuado a partir de então.
- Inova Petro (2012): Lançado em 2012, o programa Inova Petro visava ao desenvolvimento de fornecedores brasileiros para a cadeia produtiva da indústria de petróleo e gás natural, com a coordenação da Financiadora de Estudos e Projetos – Finep e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES com o apoio técnico da Petrobras, contudo não obteve êxito em estimular o desenvolvimento dos fornecedores nacionais.
O principal objetivo do programa era fomentar projetos que contemplassem pesquisa, desenvolvimento, engenharia e/ou absorção tecnológica, com a consequente produção e comercialização de produtos/serviços inovadores. A viabilidade era feita por meio de abertura de linhas de crédito, além de outras formas de apoio financeiro, como a concessão de subvenção econômica e instrumentos de renda variável. A definição dos temas, seleção das propostas e o acompanhamento técnico era feito pela Petrobras. Apesar da estrutura de governança favorável, o programa não conseguiu estimular o desenvolvimento dos projetos, dos R$ 2,7 bilhões colocados à disposição, foram aprovados R$ 353,6 milhões, com a contratação efetiva de apenas R$ 36,9 milhões. Ou seja, basicamente nada e o programa colapsou em razão dessa inércia.
- PEDEFOR (2016): O Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural(Pedefor), instituído por meio do Decreto nº 8.637, de 15/01/2016, visava a contemplar formas de solucionar os problemas existentes na Política e os riscos que pudessem incorrer, bem como incorporar as iniciativas de empresas que contribuíssem para o desenvolvimento da cadeia fornecedora de bens e sistemas para o setor, deixando de focar somente no não cumprimento dos percentuais pactuados de CL e na consequente aplicação de multas e visando ao alcance dos objetivos da Política, os quais eram: elevar a competitividade de fornecedores, estimular a engenharia nacional, promover a inovação tecnológica em segmentos estratégicos, ampliar a cadeia de fornecedores de bens, serviços e sistemas produzidos no Brasil, além de estimular a criação de empresas de base tecnológica.
O modelo de governança adotado para o PEDEFOR contemplava tanto atores da administração direta, relacionados direta ou indiretamente com a política industrial do país, quanto a Agência Nacional do Petróleo – ANP, responsável por regular o setor de petróleo e gás natural, bem como instituições públicas financiadoras de empreendimento e projetos de pesquisa e inovação.
Essa composição fez com que os índices de Conteúdo Local pudessem ser definidos de forma conjunta, com a participação de diversos atores. Por conseguinte, a Política de Conteúdo Local mudou significativamente a sua dinâmica e alterou os índices mínimos de exigência, buscando solucionar grande parte desses problemas de modo a deixar mais exequível os índices mínimos, com base na real capacidade da indústria fornecedora e do potencial de cumprimento dos operadores.
Ocorre que, por conta de atos de gestão da então presidênciaque assumira o país, os principais órgãos envolvidos (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Fazenda, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e Ministério do Trabalho) foram transformados em um super ministério (Ministério da Economia), por intermédio da Lei 13.844, de 18 de junho de 2019. Pouco tempo depois, por conta do Decreto 10.087, de 5 de novembro de 2019, o PEDEFOR foi simplesmente extinto, sem a indicação formal de qualquer comitê para substituição no trato de questão tão relevante.
- Fiscalizações doTCU
O Acórdão 2.815/2012-TCU – Plenário foi proferido em sede do processo TC-016.701/2011-9 como resultado de trabalhos de Auditoria Operacional realizados pelo Tribunal de Contas da União, por meio do qual se procurou avaliar o desenvolvimento da fiscalização atribuída à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), operacionalizada pela sua Coordenadoria de Conteúdo Local (CCL), oportunidade em que foram analisados os procedimentos de fiscalização e os esforços na implementação das regras e atividades de conteúdo local.
Frise-se, portanto, que nesses trabalhos de auditoria não se optou por avaliar a própria política de Conteúdo Local em seus aspectos gerais, mas somente, o exercício da competência da ANP em observar o seu cumprimento pelas operadoras do setor.
Tais trabalhos concluíram, ao fim, que a ANP demorou a se estruturar para enfrentar o desafio das atividades de fiscalização de Conteúdo Local, tendo em vista que a unidade técnica responsável pela matéria (Coordenadoria de Conteúdo Local – CCL) foi criada apenas em 2007, aproximadamente oito anos após a primeira rodada de licitações que inaugurou a implementação dessa política. Ademais, a referida unidade passou por problemas de continuidade desde sua criação, o que dificultou a operacionalização regular das atividades de sua responsabilidade.
Tal situação gerou um passivo em termos de blocos a serem fiscalizados e, além disso, algumas tarefas apresentavam perda de eficiência devido à falta de sistemas informatizados para auxiliar o acompanhamento dos dados de CL e o planejamento das ações de fiscalização. Diante dessa situação, em 2011, a CCL buscou reestruturar seus processos de seleção e fiscalização para as rodadas de 1 a 6 e se empenhou para operacionalizar as atividades estabelecidas a partir da rodada 7.
Foi constatada a necessidade de definição de metodologia para identificação de blocos considerados mais críticos para fiscalização como fator importante para trazer racionalidade e objetividade à seleção. Entretanto, a combinação dessa análise crítica com o critério de escolha de um bloco por operadora não permitia atingir a isonomia almejada e desviava o exame de materialidade.
Identificou-se também que a fiscalização de CL das rodadas 1 a 6 poderia ser aprimorada, o que traria mais confiabilidade aos resultados, na medida em que fossem adotados testes e técnicas de auditoria contábil, tendo em vista as semelhanças quanto aos objetivos e procedimentos.
Em contraposição a esse regime declaratório, a partir da sétima rodada, entrou em vigor o Sistema de Certificação de Conteúdo Local, em que, pela primeira vez, se estabeleceu metodologia específica de apuração de CL, por intermédio da Cartilha de Conteúdo Local.
Com essa nova metodologia entrou em vigor o credenciamento de certificadoras. O benchmarking realizado com o Inmetro, para a avaliação dos procedimentos de credenciamento da ANP, apontou para a existência de oportunidades concretas de aperfeiçoamento, principalmente com a adoção de auditorias de desempenho antes do credenciamento, e maior efetividade nos procedimentos de supervisão.
Por fim, a auditoria entendeu haver atividades que precisavam ser planejadas e operacionalizadas com certa urgência, com o fito de não haver novas acumulações excessivas de trabalho pendentes que pudessem comprometer a apuração de CL e impactar a efetividade e eficácia da política: a fiscalização do cumprimento de CL a partir da sétima rodada; as auditorias nas certificadoras; a instrumentalização da análise de pedidos de waiver; e a implantação das ferramentas de TI.
O Acórdão 3.072/2016-TCU-Plenário aborda auditoria operacional realizada na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e no Ministério de Minas e Energia (MME), com o foco na Política de Conteúdo Local (PCL) e suas implicações na indústria nacional de petróleo e gás natural. A auditoria, conduzida entre 25/01/2016 e 29/04/2016, identificou várias questões críticas relacionadas à implementação e eficácia da PCL.
A PCL visa induzir a indústria nacional a fornecer produtos e serviços ao setor de petróleo, promovendo a competição igualitária com o mercado internacional. No entanto, a auditoria revelou que a PCL não está integrada a uma política industrial mais ampla, possuindo objetivos genéricos sem metas claras ou métricas para avaliação de resultados. Isso resulta em uma desconexão entre a PCL e estratégias de incremento de competitividade da indústria nacional frente ao mercado internacional, agindo mais como uma proteção do que como um estímulo ao desenvolvimento.
O MME, ao ser questionado, indicou que as obrigações contratuais com operadores exigem investimentos em produtos e serviços nacionais, mas não há uma política industrial abrangente que guie esses esforços. A ANP, por sua vez, reconheceu a necessidade de focar no desenvolvimento de indústrias competitivas e de participação global, sugerindo que as regras de conteúdo local deveriam ser parte de uma políticaindustrial mais ampla.
A metodologia para definição e acompanhamento dos índices mínimos de conteúdo local foi considerada frágil, baseando-se em reuniões com a indústria sem dados empíricos que comprovem a real capacidade de fornecimento de bens e serviços nacionais. Isso levou a uma estagnação dos índices de conteúdo local ao longo dos anos, sem refletir adequadamente a realidade do mercado ou promover um aumento de eficiência e competitividade.
A sistemática da PCL foi criticada por ser complexa, rígida e por apresentar distorções, dificultando a adaptação dos projetos às mudanças práticas na indústria e aumentando a insegurança jurídica. A falta de regulamentação tempestiva do instrumento de waiver pela ANP foi apontada como uma causa de insegurança jurídica e falta de transparência, com muitos pedidos de waivers acumulados sem análise.
Além disso, a PCL foi associada a altos custos decorrentes da baixa competitividade da indústria nacional, com estudos comparativos mostrando que o custo de capital para projetos upstream no Brasil é significativamente superior ao do resto do mundo. A produtividade da indústria fornecedora brasileira também foi considerada baixa quando comparada a outras regiões estratégicas.
Diante dessas constatações, o TCU propôs várias medidas, incluindo a regulamentação do mecanismo de waiver pela ANP, a justificação dos índices de conteúdo local pelo MME com base em dados concretos, e a elaboração de um plano de ação para análise de custo/benefício da PCL. Como resultado, o Comitê Diretivo do PEDEFOR recomendou ao CNPE a diminuição dos índices de conteúdo local para futuras rodadas de licitação, além de retirar o compromisso de CL como critério de apuração de ofertas, mantendo-o apenas como critério de participação.
Em resumo, o Acórdão 3.072/2016-TCU-Plenário destacou a necessidade de reformulação da Política de Conteúdo Local, visando sua integração a uma política industrial mais ampla, a definição de objetivos claros e métricas para avaliação de resultados, e a adoção de uma abordagem que promova a competitividade e eficiência da indústria nacional de petróleo e gás natural.
- A Resposta da ANP ao TCU
A Resolução ANP nº 726, de 11 de abril de 2018, foi uma resposta direta às determinações do Tribunal de Contas da União expressas no Acórdão acima mencionado (3.072, de 2016), e às deliberações do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) por meio da Resolução CNPE nº 1, de 21 de março de 2018.
Esta resolução permitiu que operadores de contratos de Exploração e Produção (E&P) firmados até a 13ª Rodada de Licitações solicitassem a alteração das Cláusulas de Conteúdo Local em seus contratos. Tal medida visava não apenas regulamentar a concessão de waiver, mas também introduzir a possibilidade de aditamento contratual para ajustar os percentuais de conteúdo local a novos parâmetros definidos.
A possibilidade de aditamento contratual, no entanto, foi contestada por meio de denúncia de representantes do setor construtivo naval ao TCU, alegando-se, entre outros pontos, a incompetência da ANP para alterar os percentuais de conteúdo local estabelecidos e a ilegalidade da alteração retroativa da política de conteúdo local. O Acórdão 2.416/2020 – TCU – Plenário, ministro Raimundo Carreiro, julgou improcedente a denúncia, defendendo que as mudanças introduzidas pela referida resolução visavam resolver problemas que afetavam a atratividade e o desenvolvimento do setor de petróleo e gás, e que geravam externalidades negativas para o mercado de trabalho e para a arrecadação estatal.
A mencionada resolução estabeleceu novos percentuais para o conteúdo local, diferenciados para projetos em terra (onshore) e no mar (offshore), e eliminou a possibilidade de solicitação de isenção (waiver) e ajuste de conteúdo local para os contratos aditados. Os novos compromissos de conteúdo local foram baseados nos percentuais dos contratos das rodadas de licitações mais recentes, realizadas a partir de 2017.
Além disso, a resolução também regulamentou os procedimentos para concessão de isenções e ajustes (waiver) para contratos não aditados. O Relatório de Gestão da ANP de 2019 registrou que 285 pedidos de aditamento contratual foram recebidos, dos quais 271 foram analisados e concluídos ainda em 2019.
Os relatórios de gestão da ANP dos anos subsequentes refletem os esforços contínuos para aprimorar a fiscalização e o cumprimento das obrigações de conteúdo local, bem como a implementação de melhorias no processo de envio de relatórios de gastos trimestrais pelos operadores. A Resolução ANP nº 726/2018 e as medidas subsequentes demonstram uma tentativa de equilibrar as exigências de conteúdo local com a realidade do setor de petróleo e gás, buscando promover o desenvolvimento nacional sem comprometer a competitividade e a atratividade do setor.
- Conclusão
A Política de Conteúdo Local (PCL) no Brasil, especialmente no setor de petróleo e gás, foi instituída com o objetivo de promover a utilização de bens e serviços nacionais nas atividades de exploração e produção, visando ao desenvolvimento industrial e tecnológico do país. Desde a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) pela Lei nº 9.478/1997 e o início das rodadas de licitações em 1999, a cláusula de Conteúdo Local (CL) tem sido um componente obrigatório nos contratos de concessão. No entanto, a implementação da PCL enfrentou diversos desafios, incluindo a falta de uma estrutura eficaz para fiscalização e cumprimento das obrigações de CL, bem como a ausência de critérios claros e objetivos para a avaliação dos resultados alcançados pela política.
Duas auditorias operacionais realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) foram fundamentais para compreender os entraves enfrentados pela PCL. A primeira auditoria, resultando no Acórdão 2.815/2012-Plenário, identificou que a ANP demorou a se estruturar adequadamente para fiscalizar o cumprimento da PCL, gerando um passivo de blocos não fiscalizados e a falta de sistemas informatizados para o acompanhamento dos dados de CL. A segunda auditoria, que culminou no Acórdão 3.072/2016-Plenário, avaliou a sistemática da PCL e destacou problemas como a falta de integração da PCL a uma política industrial mais ampla, a fragilidade metodológica para a definição dos índices mínimos de CL, e a ausência de regulamentação do instrumento de waiver.
Em resposta às determinações do TCU, a ANP publicou a Resolução nº 726, de 11 de abril de 2018, permitindo que operadores de contratos de E&P firmados até a 13ª Rodada de Licitações solicitassem a alteração das Cláusulas de CL para adotar novos percentuais mais alinhados com a realidade do setor. Essa medida visava não apenas regulamentar a concessão de waiver, mas também resolver problemas que afetavam a atratividade e o desenvolvimento do setor de petróleo e gás. A resolução foi baseada na Resolução CNPE nº 1/2018, que autorizou a adoção de exigências de CL distintas das vigentes nos contratos anteriores.
A implementação da Resolução ANP nº 726/2018 teve um impacto positivo significativo, reduzindo o estoque de solicitações de isenção de CL e trazendo maior clareza e segurança jurídica para o setor. Além disso, a ANP adotou medidas adicionais em resposta à pandemia de Covid-19, flexibilizando algumas obrigações contratuais e prorrogando prazos para a entrega de relatórios de certificação.
A experiência com a PCL no Brasil destaca a importância de uma abordagem regulatória equilibrada, que combine fiscalização efetiva com incentivos para o desenvolvimento industrial e tecnológico. Exsurge, daí, outros temas interessantes de estudo tais como a própria análise desse relacionamento entre órgãos controladores e reguladores, bem como estudos comparativos internacionais sobre políticas de conteúdo local, visando avaliar seus resultados e custos para a sociedade.
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* Carlos Eduardo Dias Pereira é bacharel em Geologia pela UnB, bacharel em Direito pela UFPR, pós-graduado em Análise Ambiental pela UFRO, pós-graduado em Desestatização e da Regulação pelo Instituto Serzedello Correa/Tribunal de Contas da União e é auditor federal de Controle Externo/TCU desde 1996.