5G: Conectando o Brasil com o Futuro

Por Marcos Ferrari* e Amanda Lopes**

O Paradigma da Telefonia Móvel

Recém-lançada no Brasil, a 5ª geração de banda larga móvel (standalone) nasce com o propósito de revolucionar as telecomunicações e promover um ambiente produtivo totalmente digital. Neste cenário, o setor de telecom desponta como o agente central do crescimento brasileiro.

Entender as razões que tornam o 5G o habilitador do desenvolvimento econômico requer a compreensão da evolução dos padrões da tecnologia móvel e a importância da tecnologia na economia. No passado, o objetivo primordial das telecomunicações era facilitar a comunicação entre pessoas, através de serviços de áudio e texto. A evolução da tecnologia, entretanto, abarcou os anseios do passado e superou o objetivo inicial.

A popularização do telefone celular ocorre na década de 80, quando a primeira geração de tecnologia (1G) possibilita a transmissão wireless de voz através de sinais analógicos. Apesar do avanço, o 1G apresenta falhas severas de segurança de dados e a transmissão sofria com interferências.

Uma década depois, o 2G surge com um novo paradigma: transmissão do sinal digital em vez do analógico. A mudança solucionou as questões de ruídos e possibilitou a criptografia dos dados, de forma a promover o primeiro passo em direção à cybersegurança móvel. As evoluções do 2G também possibilitaram a comunicação via SMS e a criação do sistema de internet móvel.

A telefonia já se encontrava no patamar de oferecer aos clientes comunicação via voz, mensagem e dados em um só equipamento. Contudo, à medida que o 2G era disseminado, aumentavam as demandas por mais largura de banda e velocidade. Neste cenário, o 3G foi lançando nos 2000 com o intuito de estabelecer um novo patamar de capacidade de transmissão de dados e potencial de conexão nos mais diversos lugares.

A facilidade promovida pela telefonia móvel alterou gradativamente a forma de comunicação da sociedade, impondo novas necessidades. Conversar com a família, participar de reuniões, fazer negócios, digitalizar empresas, todas são atividades que sofreram sensíveis mudanças em 20 anos. As  necessidades crescentes nos levaram ao 4G (LTE), tecnologia que habilitou diversas aplicações móveis relacionadas a serviços bancários, mobilidade, delivery, popularizando smartphones e tablets. A conexão enfim alcançou a maioria das pessoas de forma inegável. Em junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 alterou a Lei Kandir de forma a considerar telecomunicação um serviço essencial à sociedade.

A natureza das telecomunicações, inicialmente com enfoque na mera comunicação entre agentes, ganha contorno transversal na economia, habilitando o desenvolvimento de diversos setores.

A evolução das telecomunicações pode ser muito bem compreendida pelo processo schumpeteriano de destruição criativa (Schumpeter, 1942): a incessante inovação e os processos de substituição de produtos obsoletos por paradigmas tecnológicos modernos permeiam o desempenho econômico de longo prazo e as constantes flutuações econômicas. A concorrência, dentro desta abordagem, exerce papel fundamental sobre a mudança tecnológica. No sistema capitalista, a competição endogeniza o progresso tecnológico (Dosi, 1988). Firmas buscam aprimorar o capital produtivo na busca por lucro potencial e diferenciação no mercado. 

Gráfico 1 – Acessos de Telefonia Móvel por Tecnologia

Fonte: Anatel. Elaboração: Conexis.

A destruição criativa e a acumulação das inovações tecnológicas, propiciadas pelas telecomunicações, guiaram a evolução entre um cenário produtivo restrito e manual, para um mundo conectado e digital. Apesar de uma tecnologia não findar com a chegada de uma nova, a mudança de paradigmas é visível. Até os dias atuais, o 2G e 3G continuam a atender algumas das necessidades de áreas mais remotas ou conectar máquinas de cartão de crédito, por exemplo, mas a chegada do 4G promoveu uma mudança qualitativa como nova base habilitadora de diversas aplicações. Com o 5G, haverá outra mudança qualitativa, e o 4G coexistirá por muitos anos.

Neste espírito, podemos entender que apesar da tecnologia ter alcançado um pico com o 4G e desta ser uma tecnologia que ainda provê as necessidades diárias da sociedade, o 5G abre portas para mais uma rodada de inovações além do imaginado. E, definitivamente, esta jornada não se encerra por aqui.

A Inovação do 5G

Apesar do lançamento do chamado 5G “puro”, ou standalone, ser recente, serviços de 5G DSS, ou non-standalone, já eram oferecidos no Brasil. O 5G DSS agrega frequências reaproveitadas do 3G e 4G para tentar aumentar o throughput (quantidade de dados transmitidos por uma rede), porém a capacidade de banda é limitada a 10~20 Mhz.

Visto a restrição dessa modalidade, o Leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, abre as portas para uma tecnologia de ponta. A faixa de 3,5 GhZ, leiloada como a faixa nobre do 5G standalone, possui 100 Mhz de largura de banda e uma capacidade de throughput superior ao DSS.

O 5G se destaca pelo ganho de performance significativo, seja em velocidade, latência, capacidade ou número de aparelhos que podem se conectar simultaneamente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas e responsável por criar as diretrizes mundiais de telecom, define uma norma para o 5G: a rede deve prover velocidade de 10 Gbps por segundo, latência de 1 milisegundo e até 1.000 conexões simultâneas por km².

Essa última característica viabilizará o Massive IoT, ou seja, a conexão de milhares de devices com uma nuvem central, capaz de receber constantes bits de informação e processar dados. A Internet das Coisas (IoT) representa uma mudança contínua de paradigma nas comunicações: tudo o que se beneficia de uma conexão pode e será conectado.

Diversos testes envolvendo redes 5G têm sido realizados para comprovar os benefícios da nova tecnologia. Na agricultura, pode-se destacar a pesquisa da Avant Agro na implementação de drones munidos com 5G e Inteligência Artificial para monitoramento de lavouras.

Segundo a Embrapa, estima-se que a dificuldade em detectar ervas daninhas em plantações de soja, possa gerar prejuízos de R$ 9 bilhões anuais no país em decorrência da perda de produtividade. O 4G já possibilita o uso de drones para mapeamento do campo, porém de forma offline. Isso significa que a informação coletada pelo drone fica armazenada em um cartão de memória, sendo necessário que o operador as transfira do cartão para uma máquina, de forma que os dados sejam processados. De acordo com a Avant Agro, o mapeamento offline leva aproximadamente 12h e 4,5 GB para uma área de 25 hectares.

Ao implementar a tecnologia 5G aos drones, permitindo uma conexão online, onde os dados são importados para um cloud e tratados por algoritmos em tempo real, o tempo do processo cai para 3h43min. O reconhecimento das ervas daninhas por meio de drone conectado à rede 5G, reduz custos e propensões a erro, além de reduzir substancialmente o tempo do processo.

As aplicações do Massive IoT poderão também ser implementadas em diversos setores, como na saúde, através de wearables que acompanham sinais vitais e mudanças de comportamento, facilitando a triagem e o encaminhamento de pacientes à unidade de saúde. Esta função pode gerar redução de custos de atendimento e munir profissionais da saúde com amplo histórico sobre os pacientes.

No setor de logística, os processos aduaneiros (smart ports) também devem se beneficiar por smart tags, por exemplo, que permitem o acompanhamento do transporte de mercadorias do produtor ao consumidor final em tempo real, inclusive para fins de fiscalização e tributários.

Na contramão de aplicações de Massive IoT que requerem a conexão de milhares de endpoints com trocas de pequeno volume de dados, o 5G promoverá o Critical IoT. Estas aplicações são caracterizadas por um volume de dispositivos significativamente menor e maior demanda por confiabilidade. Aplicativos como esses exigem densa cobertura de conexão, latência ultrabaixa e alta taxa de transferência de dados.

Setores de segurança, tráfego, energia e saúde serão alguns dos setores servidos pela baixa latência, ultra velocidade e confiabilidade do 5G. Um dos casos mais clássicos quando pensamos em automatização é o do carro autônomo. Os sistemas de veículos autônomos geram enormes quantidades de dados para medir e navegar externamente. Esses aplicativos contam com a transmissão de informações em tempo real para atender às demandas de direção segura. A confiabilidade do sistema e o rápido poder de resposta são essenciais para a existência deste sistema. A tecnologia 5G será habilitadora deste novo mercado.

Outras inovações como as cirurgias à distância, gerenciamento de tráfego de rodovias e sensoriamento de caldeiras de termoelétricas são atividades que dependem exclusivamente de uma rede de conexão de altíssima confiabilidade para serem operadas online. Elas devem funcionar sem lapsos, visto que o risco de falhas de conexão torna-se sensível no Critical IoT.

Apesar de já existir um hall de aplicações sendo discutidas e muitas delas implementadas, conforme mencionado, não temos ao certo ainda quais serão as aplicações que de fato revolucionarão o mercado. E o mais importante, talvez ainda não seja possível visualizar as futuras demandas por aplicações. Esse processo ocorre desde os primórdios da telefonia móvel, a tecnologia avança e a sociedade a adapta em torno de suas necessidades.

É inegável, contudo, que existe uma premissa para que a tecnologia prospere: infraestrutura. A infraestrutura possibilita o surgimento das inovações e tecnologias que vão direcionar o nosso futuro. Faz-se necessária a criação de um ambiente frutífero para que desenvolvedores e empresas possam criar tudo aquilo que um dia será indispensável. Para isso, além de garantir uma conexão veloz e de baixa latência, é preciso conectar o país. Instalar infraestrutura nas cidades, promover um ambiente de negócios frutífero e seguro, além de garantir a conectividade das pessoas.

Dificuldades de Implementação

Em um estudo sobre os impeditivos institucionais da destruição criativa, Caballero (2008) argumenta que, para efeitos práticos, as inovações ocorrem continuamente e que na ausência de obstáculos à sua implementação, teríamos um cenário de infinita reestruturação da economia. O incessante ciclo de reestruturação, porém, seria freado por dois obstáculos: limitação de recursos a serem dispendidos no ajuste ao novo paradigma e os impedimentos institucionais criados pelo homem.

O setor de telecom mundial é amplamente conhecido por estar na ponta de P&D, redefinindo fronteiras de conhecimento e tendo liderado, inclusive, a última onda de inovação (mídias digitais, softwares e redes). Apesar disso, imputa-se ainda sobre o setor alguns obstáculos institucionais de regulamentação.

Pouco se fala no assunto, mas para que seja possível atingir a cobertura nacional com o 5G, a nova geração de internet móvel vai exigir uma quantidade de antenas de 5 a 10 vezes maior que a atual. A necessidade de ampliação da infraestrutura de telecom traz consigo a problemática da instalação de antenas nas cidades. Arcabouços ultrapassados impedem a rápida adaptação das cidades ao 5G.

Dentre o universo de 5.570 municípios brasileiros, apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G. Entre as capitais, apenas 48% apresentam convergência.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de antenas são municipais, gerando gargalos em cidades que ainda têm leis de antenas desatualizadas e em desacordo com a Lei Geral de Antenas.

Muitos são os entraves para a obtenção de licenças que permitam a instalação de antenas. Certos municípios impedem a fixação de antenas em perímetros escolares ou hospitalares, impondo restrições à conexão de estudantes; outros impossibilitam a instalação de infra em local sem regularização fundiária, afetando diretamente as populações mais carentes; ainda existem questões arquitetônicas que travam a obtenção de licenças. É importante ressaltar que estas legislações geram incongruência entre as legislações municipais e a necessidade para avanço pleno do 5G.

Além de entraves legais, o tempo médio para o licenciamento de uma antena também gera atrito. De acordo com a Lei Geral de Antenas (Nº 13.116/2015), o prazo para emissão de qualquer licença referida à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana não poderá ser superior a 60 dias. Entretanto, o tempo médio efetivo tem sido de seis meses, chegando até a 1 ano em algumas cidades, o que não é compatível com a nova tecnologia.

A vitória conquistada pelo setor no Senado Federal em julho de 2022 com a aprovação do PL 1885/2022 é muito oportuna para facilitar a instalação da infraestrutura. O projeto chamado “Silêncio Positivo” autoriza operadoras a instalarem equipamentos de infraestrutura de telecomunicações nos municípios caso as autoridades locais não se manifestem no prazo determinado pela LGA. O projeto aguarda agora sanção presidencial.

As revoluções tecnológicas do setor de telecomunicações têm impacto direto na contínua expansão da economia, através da promoção de inovações ou adequação de cadeias para modelos mais produtivos e eficientes. A vertente do novo institucionalismo de Douglas North expõe que as tecnologias apenas surgiram e se desenvolveram em países com ambiente institucional propicio. É imperativo que o arcabouço jurídico que envolve o setor no Brasil reflita a vanguarda e rapidez como o mundo digital avança. Essas mudanças visam acomodar o progresso tecnológico na estrutura brasileira de modo a promover impactos positivos nos mais diversos campos.

Referências

Caballero, R. 2008. Creative Destruction. The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition.

Dosi, G. (1988). The Nature of the Innovation Process. In G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G. Silverberg, & L. Soete (Eds.), Technical Change and Economic Theory (pp. 221-238).

Ferrari, Marcos. 2006. A economia evolucionária/neoschumpeteriana e o novo institucionalismo: em busca de explicações para a mudança tecnológica e institucional. Vitória: XI Encontro Nacional de Economia Política.

Ferrari, Marcos & Lopes, Amanda. 2022. The 5G Agenda and its Impact on the Economy. São Paulo: The Winners n° 46.

Paudel, P. & Bhattarai, A. 2018. 5G Telecommunication Technology: History, Overview, Requirements and Use Case Scenario in Context of Nepal.

Schumpeter, J. 1942. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper & Bros.

UIT. 2018. Key features and requirements of 5G/IMT-2020. Algeria: ITU Arab Forum.

 * Marcos Ferrari é doutor em Economia pela UFRJ e Presidente-Executivo da Conexis Brasil Digital, também foi Diretor de Infraestrutura e Governo do BNDES, Secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 

** Amanda Lopes é mestranda em Políticas Econômicas pela Erasmus University of Rotterdam e Analista de Estudos Econômicos na Conexis Brasil Digital.

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