A última Pnad reflete o desempenho recente da economia brasileira
Por Roberto Macedo
O ministro Paulo Guedes questionou a metodologia utilizada pelo IBGE na análise que esse instituto faz sobre o mercado de trabalho, com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), cujo último resultado, do trimestre encerrado em maio último, mostrou, entre outros aspectos, taxa de desemprego de 14,6% da população economicamente ativa (PEA). Essa pesquisa, ao buscar informações nos domicílios, abrange todas as formas de trabalho, como o formal, o informal, por conta própria e outras. Essa taxa foi a segunda maior da série iniciada no primeiro trimestre de 2012.
Guedes contrastou esse resultado com os do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), que cobre apenas o mercado formal, com carteira assinada. Segundo ele, “estamos gerando praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio” e a Pnad “está atrasada ao usar entrevistas por telefone … enquanto o Caged trabalha com dados oficiais das empresas”. E concluiu: “Vamos ter que rever… os procedimentos do IBGE porque ele ainda está na Idade da Pedra Lascada”.
Essa afirmação não faz o menor sentido. Soube que essa idade se refere a um período da Pré-História, dos primeiros hominídeos até cerca de 10 mil anos antes de Cristo (a.C.), seguido pela Idade da Pedra Polida, que vai até perto de 5.000 a.C. O IBGE completou 85 anos em 2021, usa modernas tecnologias de informação e tem como presidente um economista de prestígio, Eduardo Rios Neto, doutor em demografia e membro da Academia Brasileira de Ciências. Assim, Guedes não foi polido em sua afirmação.
A última edição da Pnad, a do trimestre móvel concluído em maio, mostrou resultados em sintonia com o que se sabe de outras fontes sobre o desempenho recente da economia brasileira. No primeiro trimestre de 2021 seu produto interno bruto (PIB) retornou ao valor que tinha no último de 2019, mas ainda sem alcançar o que mostrava em 2014 (!), quando a taxa de desemprego esteve em torno de 6,5% da PEA.
No momento a economia continua sob efeitos da Covid-19, ainda que aliviados pelo avanço da imunização. As previsões para o crescimento do PIB neste ano, relativamente a 2020, estão em torno de 5,4%, mas essa taxa tem dois componentes. O primeiro vem do fato de que o PIB sofreu forte queda em 2020, de 4,1%. Mas teve uma recuperação em V que, no final do mesmo ano, chegou a um valor que, se mantido ao longo de 2021, sem crescimento neste ano, levaria a um aumento de 3,8%, pois a comparação seria feita com o “buraco” ocorrido no anterior. O segundo componente, de mais 1,6%, seria o crescimento atribuível ao desempenho da economia previsto para 2021, mas só dentro dele. Ou seja, nada entusiasmante, pois se trata de taxa muito baixa que não teria grande impacto na taxa de desemprego.
Além disso, vale lembrar que essa taxa é medida pela proporção entre o número de desocupados que procuram trabalho e o total da PEA, que inclui esse número e o dos que estão trabalhando. Assim, se mais pessoas passam a procurar trabalho, encorajadas por notícias de recuperação, a taxa de desemprego pode até subir. E poderia cair numa situação de queda do PIB se uma parcela ponderável dos que procuram emprego desistisse de fazê-lo.
Explicado isso, o que se nota na apresentação do IBGE sobre o trimestre findo em maio último é que o número de pessoas na força de trabalho na semana de referência da pesquisa parou de cair, e até subiu um pouco nas últimas três divulgações trimestrais, mesmo com o aumento da taxa de desemprego. A população ocupada na agricultura e na construção vem crescendo mais do que noutros setores, o que era de esperar em face do melhor desempenho dessas duas atividades.
E mais: a população ocupada informalmente aumentou em 3,7 milhões de pessoas entre as pesquisas dos trimestres concluídos em agosto de 2020 e maio de 2021, o que é um bom resultado. Maior até que o citado número de que Guedes se vangloriou ao criticar os dados da Pnad recorrendo aos do Caged, ou seja, “1 milhão de empregos a cada três meses e meio”. Assim, os números da última Pnad estão condizentes com o crescimento da economia esperado dentro de 2021.
Como visto, na crítica à Pnad Guedes ressaltou também que a pesquisa passou a ser feita por telefone, mas parcialmente, segundo o IBGE. E com a repetição do novo procedimento amostral, as comparações são feitas dentro dele, reduzindo eventual impacto da mudança. Vale também lembrar que os dados do Caged têm sofrido críticas que apontam um aumento das admissões resultante de mudança na metodologia de coleta dos dados.
A realização da Pnad precisa ser aprimorada, em particular ampliando e reestruturando a sua amostra. Para isso seria necessário consultar os resultados de um novo censo, mas o de 2020 foi adiado em razão da pandemia e da disputa política por recursos orçamentários. Ainda que tardio, vejamos se de fato virá em 2022, para um retrato mais amplo e atualizado do País.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de agosto de 2021.