Por Carolina Venuto* e Guilherme Cunha Costa**
Ouvir, convencer e aperfeiçoar são parte da evolução da humanidade. Maquiavel foi um grande persuasor do seu tempo, assim como os cardeais Richelieu e Marazin ou o corsário Francis Drake. A arte de convencer é derivada do poder, seja ele grande ou pequeno, um império ou uma simples repartição pública. Na prática não há poder estabelecido livre de influências ou daquilo que hoje em dia se convencionou chamar de “lobby”.
Influências podem ser negativas ou positivas, independentemente da época. Os romanos faziam lobby com banquetes. Na idade média e no Renascimento, a Igreja fez lobby contra os muçulmanos, influiu na formação e conduta de reis católicos em toda Europa e dominou o mundo até 1521 quando Martinho Lutero abriu dissidência reduzindo o poder e a influência dos papas.
Com a evolução das sociedades, a decadência dos reinados absolutistas e o nascimento das democracias nos Estados Unidos e na França, o sufrágio universal trouxe um novo tipo de influenciador. Este novo personagem passou a atuar junto aos representantes eleitos, buscando melhorias para as comunidades que elegeram representantes.
No Brasil construímos uma sociedade onde a prática de influir os donos do poder sempre esteve presente. Desde a época das capitanias até hoje. A nossa Independência, a Abolição, a República, a Revolução de 1930, o Regime de 1964 e a redemocratização de 1985 contaram com influenciadores importantes que hoje seriam chamados de “lobystas”.
Quando os sindicatos se tornaram parte do poder vigente, a partir do seu reconhecimento como força ativa pela sociedade civil organizada, os trabalhadores também passaram a ter seu papel como “lobystas”, influenciando decisivamente em votações importantes na Constituinte (1987-1988).
Os próprios Poderes passaram a exercitar o “lobby”, atuando com os seus assessores parlamentares, aprovando projetos ou liberando emendas. E isso é positivo e parte integrante da democracia.
A sociedade cada vez mais exige transparência. Na União Europeia, por exemplo, os lobistas profissionais são reconhecidos como técnicos em relações institucionais e governamentais e seguem regras ancoradas principalmente na transparência das relações entre público e privado.
Aqui no Brasil tanto o Legislativo quanto o Executivo avançaram muito na transparência. Antes, o cidadão necessitava do conhecimento técnico ou uma senha do SIAFI[1] para acessar as despesas do governo. Hoje, podemos fazer isso pelo portal da transparência. Senado e Câmara também prestam informações deste tipo de forma correta.
Numa democracia a falta de transparência é incompatível com a boa governança. Foi com esta preocupação que a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG), vem trabalhando duro pela construção de uma legislação adequada, moderna e eficiente. Em 2018 avançamos ao sermos incluídos na CBO – Classificação Brasileira de Ocupações, sob a sigla RIG – Relações Institucionais e Governamentais, que por sinal identificou que devem ser observadas 92 habilidades para esse profissional. A publicação oficializou a nomenclatura da nossa atividade, deixamos ser “lobbystas” para sermos reconhecidos oficialmente como “RIGs”.
A regulamentação da atividade do profissional que representa legitimamente uma instituição, corporação, governos ou mesmo grupos, no debate de políticas públicas está, oficialmente, em discussão desde 1972, quando a Câmara dos Deputados reconheceu, no artigo 60 do seu Regimento Interno, a possibilidade do credenciamento de representantes de entidades diversas. Em 1976, o então presidente da Câmara, deputado Marco Maciel, alterou o artigo 60 do Regimento Interno ampliando o credenciamento naquela Casa.
Posteriormente, em 1984, o mesmo Marco Maciel, ciente da contribuição do debate realizado de forma institucionalizada, propõe o Projeto de Lei do Senado (PLS) 25 ampliando ainda mais a formalização do profissional de Relações Institucionais e Governamentais. Em 1989 o Senado aprova o projeto, sob o número de PLS 203, no entanto, em razão de ter determinado obrigações ao Poder Executivo, foi considerado, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, como inconstitucional.
Mesmo sem uma legislação federal que amparasse a contribuição legislativa por representantes da sociedade, a Câmara dos Deputados novamente reconhece a possibilidade do credenciamento, dessa vez no artigo 259 do novo Regimento Interno aprovado em 1989. Posteriormente, em 2010 o Senado Federal regulamenta seu regimento interno definindo regras claras para o credenciamento por meio do Ato da Mesa Diretora nº 08 de 11/06/2010. Medida essa que em 11/07/2017 foi suspensa pelo Ato da Mesa nº 11, encabeçado pelo senador Eunício Oliveira, atitude arbitrária que foi repelida pela ABRIG e que não contribui para a transparência e legitimidade do debate institucionalizado.
Em 2007 os Estados Unidos, movidos pelo escândalo “Jack Abramoff”, fizeram com que aquela nação, que foi o primeiro país a ter uma legislação federal sobre o tema, datada de 1946, aprovasse a terceira revisão de sua Lei Federal. Infelizmente um texto burocrático, criminalizante e que provocou a migração de milhares de profissionais para a informalidade. Os Estados Unidos, que sempre foi um benchmark internacional, se tornou um exemplo a não ser mais seguido.
Inspirado na legislação dos Estados Unidos, o deputado Carlos Zarattini (PT/SP), apresenta o Projeto de Lei 1202/07, onerando, burocratizando a atividade e o pior, embutindo no projeto todo o tipo de agentes interessados em decisão governamental – vendedores para o serviço público, despachantes, aqueles que praticam advocacia administrativa e nós, debatedores de políticas públicas, fez com que o projeto se tornasse denso, complexo e difícil de ser apoiado pela Sociedade, em especial pelos profissionais de RIG. O PL 1202/07 foi aprovado na Comissão do Trabalho em 27/11/2008, e posteriormente distribuído à Deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ) na Comissão de Constituição Justiça e de Redação (CCJR).
Em 2015 os deputados Rogério Rosso (PSD/DF) e Ricardo Izar (PP/SP) apresentam o Projeto de Lei 1961/15, que propunha a regulamentação dos Grupos de Pressão, foi apensado ao PL 1202/07. Naquele mesmo ano, motivado pela demora da Câmara em apreciar o tema, o senador Walter Pinheiro (PT/BA) apresenta o PLS 336/15.
Em 2016 a ABRIG, sob nova Diretoria e disposta e avançar com a formalização da Atividade expõe à relatora Cristiane Brasil e ao presidente da CCJ, Osmar Serraglio, a importância de realizar uma audiência pública internacional naquela Comissão para que pudessem tomar conhecimento da repercussão da Lei americana de 2007. Dessa forma, em 07/07/2016, a CCJR/CD realizava audiência pública internacional na qual o profissional norte americano, Tood Webster, sugeria aos deputados que não cometessem o mesmo erro do Congresso norte-americano, que ao aprovar uma Lei burocratizante não contribui com a transparência e com a formalização do debate institucionalizado.
A ABRIG passou a discutir o assunto em diversos fóruns, realizando seminários e encontros. A pesquisa ABRIG e UFMG demonstrou que 76% dos associados desejam algum tipo de regulamentação. A deputada intensificou o diálogo com a sociedade, estudou com afinco a experiência internacional, e produziu um substitutivo capaz de inserir o Brasil na vanguarda internacional, o qual acabou por ser aprovado na CCJ/CD em 07/12/2016.
Os principais pontos do PL são a obrigatoriedade de formalização das audiências e sua disponibilização pela Autoridade Pública; a proibição de entrega de presentes ou vantagens; a equiparação do ilícito penal do agente privado ao agente público e a suspensão da credencial de agente que incida em condutas inapropriadas; a definição da quarentena nos termos da legislação em vigor, ampliando para chefes do Poder Executivo para 48 meses.
Também em 2016 a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ) apresenta o Projeto de Resolução – PRC 176/2016, propondo a alteração no Regimento Interno da Câmara dos Deputados ampliando às Pessoas Jurídicas a possibilidade de se credenciarem, aumentando a transparência no debate de política pública.
Ainda em 2016, ciente da necessidade de se estabelecer regras claras para a participação da sociedade no processo de decisão política, o senador Romero Jucá (PMDB/RR), juntamente com outros 37 senadores apresenta a PEC 47/2016. Ao contrário das proposições em debate no Congresso Nacional, que se concentravam em estabelecer em Lei Federal as regras para a Atividade de Relações Institucionais e Governamentais, a proposta dos eminentes senadores prevê a participação ativa do profissional de RIG na Constituição Federal. O texto é excessivamente arrojado, ao estabelecer direitos aos profissionais de RIG, tais como apresentação de emendas, utilização da palavra nas comissões e acesso irrestrito a documentos, que até nós o consideramos inapropriado.
O Poder Executivo percebeu a necessidade de definir regras para o exercício da Atividade em seus órgãos. Dessa forma, o Ministério da Transparência, após colher informações em audiência pública, encaminhou à Casa Civil uma minuta de Decreto definindo regras da participação da Sociedade na tomada de decisão junto às autoridades do Poder Executivo.
Nesse momento, há pelo menos seis frentes distintas sendo debatidas nos Poderes Executivo e Legislativo visando regulamentar a Atividade de Relações Institucionais e Governamentais. A definição de regras claras e objetivas é positiva para o fortalecimento das instituições, para o debate legítimo de políticas públicas, para a transparência e, principalmente, para o desenvolvimento econômico e social do nosso país.
A regulamentação irá definir quem poderá exercer e como essa atividade poderá ser exercida, de forma a garantir um ambiente democrático, transparente e seguro, seja para o agente público ou para o agente privado que esteja representando interesses legítimos de setores da economia ou da sociedade civil organizada.
Enquanto essa esperada legislação não se torna realidade, a ABRIG segue investindo na capacitação das empresas e dos profissionais que atuam em RIG, seja por intermédio de cursos, seja pelo incentivo à Prática Recomendada para Relações Institucionais e Governamentais, realizada em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e lançada em 2020. O documento, além de servir de parâmetro para os legisladores, estabelece diretrizes e orientações de conduta para os agentes de RIG em suas relações com os agentes públicos, clientes e público em geral, desempenhando um papel importante na promoção da integridade.
Cerca de 36 países regulamentaram o debate legítimo entre representantes da sociedade e as autoridade, a OCDE, a Transparência Internacional e inúmeras Organizações apoiam a formalização do debate na busca da evolução das políticas públicas. É impossível saber tudo sobre tudo e abrir espaço para o diálogo institucionalizado é obrigação do Estado. Ao contrário do que muitos pensam, a aprovação de uma Lei sobre o tema, por si só, não irá reduzir a corrupção, pois o profissional de RIG instituído e formalizado não é agente de corrupção, é um especialista capacitado, cada vez mais requerido por corporações. Já é momento do Brasil se juntar aos países que perceberam a importância de ouvir a sociedade de forma institucionalizada, transparente e propositiva na assertividade das políticas públicas.
*Carolina Venuto é presidente da ABRIG – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais
**Guilherme Cunha Costa é ex-presidente da ABRIG – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais
[1] Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal.