Por Roberto Macedo*
Conforme anunciado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2024, à taxa de 1,4%, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, surpreendeu os analistas do mercado, que majoritariamente previam 0,9%, uma diferença bastante expressiva. Parte dela é explicada pelo fato de que muitos consideraram o efeito negativo das enchentes no Rio Grande do Sul, mas tudo indica que os fortes gastos de reconstrução atuaram em sentido contrário. O número do primeiro trimestre do ano foi revisado de alta de 0,8% para 1%.
Do lado da oferta, destacam-se o crescimento da indústria, de 1,8%, e do setor de serviços, de 1%, sendo que este setor é o mais importante da economia, respondendo por cerca de 2/3 dela. No caso da demanda, os destaques foram o aumento dos investimentos, ou formação bruta de capital fixo, que foi de 2,1%; e o aumento do consumo das famílias (1,3%) e do governo (1,3%). No setor externo, as exportações cresceram 1,4% e as importações, 7,6%.
Com a citada expansão da formação bruta de capital fixo, a taxa de investimento relativamente ao PIB alcançou 16,8%, resultado superior aos 16,4% alcançados no segundo trimestre de 2023. Com isso, essa taxa permanece em valor inferior a uma próxima de 25%, que, se mantida por algum tempo, poderia assegurar um crescimento maior e duradouro. Essa é uma questão fundamental, que precisa ser considerada para a análise não se restringir a variações de curto prazo que podem significar apenas um dos chamados “voos de galinha”. Voltarei ao assunto mais à frente.
Para isso, passarei aos fatores que atuaram mais do lado da demanda, o aumento dos investimentos e do consumo do governo e das famílias. O governo manteve, neste primeiro semestre do ano, o rumo da gastança e do déficit primário, mas continua afirmando que já começa a se corrigir na direção da redução de gastos ou mesmo da redução desse déficit em 2025. Para tanto, também não poderá expandir, como vinha fazendo até aqui, benefícios sociais voltados para as famílias mais pobres, o que contribuía para a expansão do seu consumo.
Como visto, as taxas de crescimento do PIB foram de 1% e de 1,4% no primeiro e no segundo trimestres, respectivamente. Calculei que, se a economia crescesse a uma taxa de 1% no trimestre atual e no quarto trimestre, seu crescimento no ano seria de 3%, o que não está no radar dos analistas do mercado. Segundo o mais recente boletim Focus, semanal, do Banco Central, que sintetiza as avaliações desses analistas, a previsão de crescimento anual em 2024 é de 2,5%.
Estou mais em linha com essa previsão do Focus, de 2,5%, do que com a outra previsão de 3%, que apresentei. Não vejo na economia brasileira um potencial para crescer 3%, mas ficarei contente se estiver errado – e, ainda assim, insistiria em que será excepcional, pelas razões que se seguem.
A questão central é a taxa de investimento relativamente ao PIB, que está perto de 16% e que vejo como muito baixa para levar a um crescimento anual de 3%. E dentro dessa questão está a queda da taxa de investimento do setor público, também relativamente ao PIB. Essa taxa já esteve próxima de 10% do PIB na década de 1970, mas hoje está perto de apenas 2%. Depois da Constituição de 1988, o governo ampliou fortemente os benefícios sociais, em prejuízo dos investimentos. Nada tenho contra tais benefícios, mas é preciso recuperar o espaço dos investimentos públicos, equilibrando uma coisa e outra e cortando outros gastos do governo.
Um dos problemas dos benefícios sociais é que têm um componente populista e eleitoreiro beneficiando o presidente em exercício em busca de reeleição. E o presidente Lula não se emenda. Desde agora, está procurando ampliar o Auxílio Gás, que, segundo vi na internet, passaria a se chamar Gás para Todos, ampliando progressivamente o número de atendidos, dos atuais 5,6 milhões de famílias até chegar a 20 milhões em 2026, um ano eleitoral. Como o governo tem um arcabouço fiscal a cumprir, ele está procurando financiar o Gás para Todos com recursos extras de fora do Orçamento, mas permanecem dúvidas quanto à constitucionalidade dessa alternativa.
Também tenho insistido em que não se vê, da parte dos Três Poderes, uma efetiva preocupação com o crescimento econômico. O Executivo segue a rota do “gasto é vida” e não parece se preocupar com suas consequências sobre a inflação e o aumento da dívida pública, que também trazem juros mais altos. O Legislativo só se preocupa, mesmo, é com emendas parlamentares e outros interesses pessoais e de grupos. E o Judiciário também não me parece refletir sobre o impacto econômico de suas decisões.
Minha sensação é de que, quanto ao crescimento econômico, estamos passando por outro “voo de galinha”, e mais um de seus condicionantes é que, quanto a esse crescimento, a sociedade parece tomada por baixas aspirações, como esta de uma taxa perto de 2,5%, e poucas vozes se rebelam contra ela e cobram providências em contrário. É lamentável!
* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo dia 5 de setembro de 2024.