Assimetria de informação por meio da implantação da Resolução ANAC Nº 400/2016: regras sobre as condições gerais de transporte aéreo

Por Kalinca Soares C. Cruz*

  1. Assimetria de Informação & Regulação

1.1 Conceito de Assimetria de Informação

O conceito de assimetria de informação no contexto econômico foi explorado pelo economista americano George A. Akerlof, em seu artigo “The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism”, no qual relata desequilíbrios informacionais no mercado de venda de automóveis usados.

Dentre os agentes envolvidos uma parte conhece as reais condições do automóvel, neste caso o vendedor, que opta por não transmitir fatos relevantes e não perceptíveis a “olho nu” sobre o estado de conservação do veículo aos compradores, o que fazsuperestimar o preço em relação ao que seria o valor real do automóvel considerando toda a informação sobre ele.

A outra parte, o comprador, por sua vez, desconfia das informações passadas pelo vendedor e, por conseguinte, acredita ser bem possível que o preço esteja superestimado. Esta é a descrição do problema de seleção adversa, em que se infere que muitos dos carros de segunda mão disponíveis no mercado não devem valer o que está sendo pedido pelo vendedor.

De fato, a expressão lemmons é usualmente utilizada na língua inglesa para fazer referência a algo que não funciona, não presta, de baixa qualidade ou problemático.

  • Assimetria de Informação & Contratos de Transportes Aéreos

Dada a importância da aviação civil para a economia e o número crescente de passageiros, havia uma lacuna regulatória que permitia margem para interpretações divergentes por parte das companhias aéreas em relação ao ajuste de conduta referente aos serviços prestados aos usuários. Como resultado dessa lacuna, ocorreram inconsistências na prestação de serviços, falta de informações claras aos passageiros e casos de desrespeito aos direitos do consumidor.

No contexto da teoria da informação assimétrica com seleção adversa no âmbito dos problemas regulatórios, para relação de consumo em questão observa-se a presença de uma falha de mercado evidenciadaprecisamente pela assimetria de informação dos consumidores em relação às empresas aéreas. Note-se que há uma série de dimensões relevantes da prestação do serviço aéreo cujas características são pouco disponíveis para os consumidores, notadamente segurança.

Diante do cenário que se apresentavam as condições gerais de transporte aéreo, a Agência Nacional de Aviação Civil, fazendo uso de suas competências no que se refere às funções, normativa, executiva e judicante, normatizou uma série de eventos relacionados à prestação de transporte pelas companhias aéreas.

Assim, em 13 de dezembro de 2016, foi publicada a Resolução ANAC nº 400, que dispõe sobre as condições gerais de transporte aéreo, cujo objetivo sob a ótica da Regulação “Comando e Controle”, é corrigir a dita falha de mercado relacionada à assimetria de informação.

A publicação da Resolução nº 400, foi um marco regulatório no que se refere à definição das diretrizes e regulamentações com o objetivo de mitigara assimetria de informações, melhorar a qualidade e a segurança dos serviços de transporte aéreo. Algumas das principais provisões desta Resolução incluem:

  • Informações claras e precisas: Em período anterior à publicação da resolução, as normas e procedimentos relacionados a condições gerais de transporte aéreo, estavam espalhadas em publicações feitas por autoridades de aviação civil no Brasil, das quais não consideravam alguns temas acolhidos na norma atual, como por exemplo, valores de multas em caso de desistência do contrato,correção de nome sem ônus para o passageiro, tempo de conexão, detalhamento dos valores pagos,definição das informações sobre bagagens.  A sintetização destas normas e procedimentos em um único documento foi ganho importante para o ambiente regulatório, uma vez que elege a companhia aérea como a maior detentora de informações sobre o contrato, o que consequentemente requer a apresentação de informações precisas e necessárias aos usuários do transporte aéreo em tempo hábil. Além do mais, as companhias aéreas, também se beneficiam de modo geral, uma vez que fica esclarecido até onde vão os deveres em relação ao contrato de transporte aéreo, podendo este ser utilizado em casos de reparação de dano apontados por passageiros em caso de ações judiciais.
  • Informação sobre alteração e resilição do contrato de transporte : A resolução trouxe definições quanto a teto de valores de multas contratuais e prazos para desistência da compra. No que se refere à desistência da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, no entanto, há uma controvérsia quando confrontamos o disposto no art. 11 da resolução,e as prerrogativas do código de defesa do consumidor e código civil, haja visto dissonância entre as normas, conforme transcrição abaixo.

Conforme o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio.Ademais, o Parágrafo único do art. 49 dispõe quese o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”

O art. 420 do Código Civil, por sua vez, define que se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito à indenização suplementar.

Já no art. 11 da Resolução ANAC nº 400/2016 define-se que o usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante”, sendo que o Parágrafo únicoespecifica quea regra descrita somente se aplica às compras feitas com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque.

Com o advento do e-commecer a representatividade das transações de compra de produtos e serviços de forma online aumentou de forma significativa. A redação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, tem como finalidade proteger o consumidor de elementos surpresas, nesta modalidade de compra, em relação as expectativas sobre o produto, uma vez que, quando a transação for realizada fora do estabelecimento físico, pode incorrer no fato de não terem sido esclarecidas todas as dúvidas ou prestadas todas as informações necessárias, o que poderia fazer o comprador selecionar o produto de forma adversa, logo é dado ao consumidor o referido prazo de 7 dias para desistência da compra. Entretanto ao editar a Resolução nº 400, à Agência Nacional de Aviação Civil ignorou as prerrogativas do Código de Defesa do Consumidor, criando um imbróglio regulatório, uma vez que regulamentou o prazo de apenas 24h para que o consumidor expresse o desejo de cancelar sem ônus. Ademais, para usufruir dessa regra, necessário que o bilhete tenha sido emitido com 7 dias de antecedência. Diante dessa situação é comum passageiros recorrem ao judiciário, a fim de solucionar temas os quais as normas vigentes não são resolutivas por si só. Para exemplificar situações desta natureza, podemos apresentar o trecho da ementa publicado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no qual é demostrada a aplicação da regra do CDC, em uma ação movida contra companhia aérea.

Trecho da ementa Acordão: 1795923

“(…) 8. No caso, a autora/recorrida adquiriu, no dia 05/05/2023, por intermédio da ré/recorrente, passagem aérea relativa ao trecho Brasília – Porto Alegre, ida (06/07/2023) e volta (10/07/2023), no valor de R$ 1.089,68, consoante ID 52452221. Na data de 12/05/2023, a autora/recorrida solicitou o cancelamento do contrato e o respectivo reembolso, o que foi negado, sob a justificativa de que o bilhete comprado (´tarifa promo´) não permitiria tal ato, sendo possível somente a restituição das taxas de embarque (R$ 158,40) – ID 52452222. 9. O art. 49, do CDC, preceitua o direito de arrependimento, consubstanciado na faculdade conferida ao consumidor de desistir do contrato, no prazo de 7 dias, sempre que a contração ocorrer fora do estabelecimento comercial, devendo ser devolvido o valor pago, de imediato e monetariamente atualizado. 10. No particular, verifica-se que o referido direito foi exercido no interregno legal, possibilitando à autora/recorrida reaver a quantia despendida. (….). 11. Consigne-se que a Resolução 400/2016, da ANAC, que estabelece um prazo de 24 horas para cancelamento sem penalidades, não deve prevalecer sobre a lei consumerista, dado o déficit de legitimidade democrática da Resolução, não podendo derrogar lei votada e aprovada pelo parlamento, sob o risco de subversão do ordenamento jurídico (hierarquia normativa). 12. De mais a mais, a cláusula de não reembolso coloca o consumidor em desvantagem exagerada e atenta contra a legislação de regência, motivo pelo qual deve ser considerada nula de pleno direito, nos termos do art. 51, IV, do CDC, sob pena, ainda, de enriquecimento ilícito da companhia aérea, a qual pode renegociar o bilhete aéreo.”  (grifamos) 

Diante deste cenário de controvérsia, cabe lembrar que desde 2012, o Senado Federal sugeriu o Projeto de Lei do Senado 281, que pretende aperfeiçoar e modernizar o Código de Defesa do Consumidor, sobretudo para atender as transformações mercadológicas trazidas nas últimas décadas pelo comércio eletrônico, no qual prevê a criação de um artigo adicional ao CDC, com regras relacionadas ao prazos para rescisão do contrato de transporte aéreo ante da viagem iniciada

Dessa forma, observamos que Resolução ANAC nº 400/2016, ainda não foi resolutiva quanto à pacificação deste tema, haja visto a existência de normas que se sobrepõem a regulação e elevado número das ações judiciais, cujo objeto é o princípio da proteção ao consumidor.

  • Informações sobre a comercialização do serviço: Os passageiros também passaram a dispor, antes de concluir a compra da passagem, em quaisquer canais que o operador aéreo oferte o serviço, de informações mais completas como: o valores totais cobrados pelo serviço, tarifas aeroportuárias e valores devidos a órgão governamentais, os quais são pagos pelo consumidor, regras de no-show, tempo de conexão e regras e valores para transporte de bagagem. Pode parecer simples e óbvio, mas até a publicação da resolução em questão o contrato de prestação do serviço estava incompleto, uma vez que até o ano de 1999, por meio da a Instrução de Aviação Civil 2203-0399 (IAC 2203-0399), intitulada “Informações aos Usuários do Transporte Aéreo”, considerava-se que a empresa aérea deveria prestar todas as informações aos usuários relativas às Condições Gerais de Transporte, no ato da compra do bilhete.No entanto não categorizava quais eram imprescindíveis constar no bilhete. Em 2010, por meio da Resolução ANAC nº 138, começa a haver uma caracterização mínima sobre quais informações devem constar do bilhete da passagem adquirida. Dessa forma, os passageiros estavam a margem da regulamentação, podendo incorrer em risco de prejuízo, em função da falta de informações claras, no ato da compra e durante os procedimentos de embarque e desembarque.
  • Informação sobre correção de erro de preenchimento do nome do passageiro: Dado o caráter pessoal e intransferível da passagem aérea, e que os dados dos passageiros são preenchidos manualmente, é usual haver erro de digitação, fazendo com que os passageiros solicitassem a correção do nome no bilhete da passagem. No entanto, essa situação não era amparada por nenhuma norma, ficando a cargo das companhias áreas efetuar a correção, o que muitas vezes poderia ocasionar cobrança adicional pela realização do “serviço” ou até mesmo a não realização da viagem em função de atrasos para a resolução do tema. Com a entrada da resolução nº400, o passageiro passa a poder solicitar a correçãodo nome pela companhia aérea até o momento do check-in, sem nenhum ônus para voos domésticos.Contudo, em voos internacionais que envolva diferentes operadores, a realização da correção do nome do passageiro no bilhete sem ônus, será uma decisão da companhia área, logo a correção deve ser feita, mas os custos podem ser repassados aos passageiros. Para os casos em que o erro for do transportador, não há qualquer ônus ao passageiro e a correção será feita sem quaisquer cobranças de taxas.
  • Informação sobre alterações de voo: A Resolução ANAC nº 141/2010, era o instrumento regulatório que amparava o passageiro, em caso de alterações do contrato de transporte por parte da companhia aérea. A norma previa que no caso de alterações programadas pelo transportador (cancelamento ou interrupção do serviço), o passageiro deveria ser informado das alterações com antecedência mínima de 72 horas. Além disso, o passageiropoderia dispor de alternativas de assistência material e conciliação como: reacomodação em outro voo, reembolso integral ou conclusão do serviço por outra modalidade de transporte em caso de interrupção. A Resolução nº 400/2016, ampliou estes benefícios para os casos em que a informação da alteração for prestada fora do prazo de 72 horas e quando a alteração do horário de partida ou de chegada for superior a 30 minutos nos voos domésticos ou superior a 1 hora nos voos internacionais em relação ao horário originalmente contratado, se o passageiro não concordar com o horário após a alteração.
  • Informações sobre assistência material ao acompanhante do passageiro comnecessidade de assistência especial: No que se refere assistência material aosPassageiros com Necessidade de Assistência Especial – PNAE,em caso de atraso de voo, cancelamento de voo, interrupção de serviços, ou preterição de passageiros, a Resolução nº 400, trouxe como benefícios a formalização de extensão de assistência material aos acompanhantes, nos termos da Resolução ANAC nº 280 de 2013, para atrasossuperiores a 4 horas, independentemente da exigência de pernoite.
  • Informações sobre cancelamento e reembolso: O pagamento de reembolso de valores já constava na Resolução ANAC nº 141/2010, norma especifica para tratar sobre as condições gerais de transporte aéreo, aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de voos e às hipóteses de preterição de passageiros. No entanto, a Resolução ANAC nº 400/2016, trouxe como novidade e favorecimento aos passageiros, a definição de prazo de 7 dias a contar da data da solicitação feita pelo passageiro, para que as companhias áreas efetuassem a devolução. Além disso, também foi acrescentado à norma, a formalização que quando da concordância do passageiro quanto o reembolso por meio de créditos para a aquisição de passagem aérea, este poderia inclusive ser utilizado para a aquisição de passagem aérea para terceiros. Ainda sobre cancelamentos e reembolsos, como citado no item “Informação sobre alteração e resilição do contrato de transporte” acima, este tema ainda não foi pacificado pela Resolução ANAC nº 400/2016, haja visto os conflitos de regulamentação, para os casos de desistência da compra por parte do passageiro, quando comparado ao prazo previsto no código de defesa do consumidor e prerrogativas de descritas no código civil sobre a direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, o que abarca as passagens de transporte aéreo. A definição de um prazo para desistência da compra na Resolução ANAC nº 400/2016 (24 horas nos termos do art. 11 e parágrafo único), já é um avanço sob a ótica de que o regulador observou a importância deste tema constar na norma. No entanto ainda não houve pacificação do ponto de vista normativo, uma vez remanescerem dissonâncias de prazos para a desistência da compra queainda geram controvérsia.
  • Informação sobre preterição de passageiro: No caso de preterição de passageiros, a Resolução ANAC 141/2010, previa apenas a compensação do passageiro, por meio da reacomodação em outro voo, reembolsoou a realização do serviço por outro meio de transporte, sendo que em caso de reacomodação em “voo a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro” ou reembolso “do trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado” o passageiro não teria direito a assistência material de acordo com o tempo de atraso previsto na norma. Com a publicação da Resolução ANAC nº 400/2016, apesar de ainda aceitar a preterição em função de venda a mais de assento que o voo comporta, a norma trouxe alguns benefícios aos passageiro como pagamento de compensação financeira imediata no valor de 250,00 no caso de voo doméstico; e R$ 500,00, no caso de voo internacional, além do direito de assistência material de acordo com o tempo de atraso gerado ao passageiro.
  • Informações sobre transporte de bagagem: No período que antecede a publicação da Resolução ANAC nº 400/2016, a regulamentação anterior, Resolução ANAC Nº 138/2010, fazia menção somente às informações mínimas que deveriam constar no bilhete da passagem, dentre elas “franquia da bagagem”. Dessa forma todos os passageiros pagavam por franquia de bagagem, despachada independente de utilizar o serviço. A inovação da Resolução ANAC nº 400/2016, foi a inclusão de uma seção dedicada a informações sobre bagagens, no qual define que o transportador aéreo deverá permitir franquia mínima de 10 quilos de bagagem de mão, por passageiro de acordo com as dimensões e quantidade de peças definidas no contrato de transporte aéreo. Dessa forma, exclui-se do valor das passagens o valor da franquia, de modo que os passageiros que não utilizam o serviço,também não arcam com o custo de serviços que não utilizaram. 
  • Por fim, um tema pouco comentado, mas que ainda se refere a bagagens é quanto àopção de declaração de bens de valor, cuja finalidade é aumentar o valor da indenização paga em caso de extravio e de obrigações posteriores à execução do transporte aéreo. É previsto que o transportador é responsável pela bagagem despachada, estabelecendo prazos para entrega em caso de extravio ou necessidade de reparo de avaria, além de regras para ressarcimentos eventuais e indenizações relacionadas ao serviço de transporte de bagagem despachada.

Notadamente por meio da regulação “Comando e Controle” a publicação da Resolução ANAC nº 400/2016, proporcionou uma estrutura regulatória fundamental para a transformação das condições gerais do transporte aéreo no Brasil, com vistas a corrigir a dita falha de mercado relacionada à assimetria de informação.

Ao definir regras, procedimentos gerais sobre o transporte aéreo e facilitar o acesso à informação, o regulador busca o equilíbrio entre regulação, eficiência operacional e esclarecimentos aos envolvidos na relação de consumo.

A compilação de grande parte dos procedimentos relacionados às condições gerais do transporte aéreo de pessoas e bagagens, sem entrar no mérito da qualidade do texto da regulação, é por si só um avanço para os usuários.

É importante ressaltar a sensibilidade do regulador em sintetizar os temas em uma única norma, cuja expectativa é resguardar os da parte menos informada, neste caso os passageiros. Feito isso, ao se deparar com situações adversas, os usuários terão acesso facilitado à informação, e consequentemente forçarão o ajustamento de conduta das companhias aéreas, de modo a assegurar a reparação mínima de possíveis danos causados por interferências na prestação do serviço do contrato de transporte aéreo.

Cabe sinalizar que as definições prescritas na Resolução ANAC nº 400/2016 não foram exaustivas, mas são necessárias para regrar minimamente como seriam as relações entre as partes envolvidas nos contratos de prestação de serviços.

Podemos dizer que desde o ano de 2016, sabemos o que foi e o que ainda precisa ser pacificado e esclarecido, haja visto a existência de dissonâncias normativas relacionados à proteção dos direitos do consumidor no que diz respeito às regras de arrependimento e desistência do contrato, pois atualmente a redação da resolução é tida como um retrocesso face ao disposto no código civil e código de defesa do consumidor, de modo que geram mais benefícios às companhias aéreas do que aos passageiros.

Por fim, a Resolução 400 demarcou de forma mais precisa, questões controversas sobre a relação de consumo no serviço de transporte aéreo. Entretanto é necessário que a ANAC avance as discussões e apresente regras claras sobre assuntos que ainda geram polemica como por exemplo, a solicitação de reparação por danos morais e materiais, causados por atrasos, cancelamento, overbooking, limites de ressarcimentos de despesas a passageiros e em caso de extravios ou perda de bagagem e transporte de pets.

  • Aplicação Prática da Resolução ANAC nº 400/2016

Algumas situações recentes de grande impacto e comoção social, na qual haveria problema de assimetria de informação para os usuários foi fundamental, para promoção do bem-estar-social e ganhos de eficiências nas transações.

Contratos de Transporte Aéreo – Pandemia COVID

A importância do tema foi reconhecida na vinda da pandemia de covid-19, quando foi necessário um regramento específico devido à situação extraordinária. Determinou-se no artigo 3º da Lei 14.034/2020 (resultado da conversão da Medida Provisória nº 925/2020), que estabeleceu, dentre outras disposições o prazo de 12 meses para que a companhia aérea efetuasse o reembolso, contados da data do voo cancelado no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021, em virtude da pandemia. Essa situação assegurou o direito do consumidor dereembolso,observadas a atualização monetária calculada com base no INPC, para os casos de voos cancelados. No entanto para os passageiros que tinham interesse em desistir da compra no mesmo período (19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021) a lei lhes foi desfavorável, uma vez que manteve as regras previstas na Resolução ANAC nº 400/2016, mesmo em um cenário de pandemia.  Tais regras como já dito não vão de encontro ao previsto no código de defesa do consumidor e código civil. Após 31/12/2021, foi reestabelecida a regulamentação prevista da Resolução ANAC nº 400/2016. Diante desse cenário, é salutar que a ANAC revisite este tema e faça a mediação para modernizar a regulamentação de modo que alcance os interesses da população inclusive em caso de força maior, como foi a pandemia da COVID -19.

Contratos de Transporte Aéreo – Recuperação Judicial 123 milhas

A ANAC exerceu sua função judicante, que ocorre quando a agência faz a mediação para a resolução de conflitos entre os envolvidos na relação de consumo. Para essa função, a agência julga e define quais ações devem ser feitas, com a finalidade de que seja levado ao poder judiciário somente os casos excepcionais.

Um dos casos mais recentes o qual foi utilizada a Resolução ANAC nº 400, para arbitrar uma relação de consumo, foi o da 123 Milhas.

Na ocasião, a ANAC notificou as companhias áreas, haja visto relatos de passageiros que foram impedidos de embarcar, uma vez que os bilhetes das passagens foram emitidos pela plataforma da 123 Milhas. No entanto, em atenção ao art. 31 da Resolução ANAC nº 400, o qual prevê que “o reembolso poderá ser feito em créditos para a aquisição de passagem aérea, mediante concordância do passageiro”, o contrato de transporte foi firmado entre os passageiros e as companhias áreas e não poderiam ser alterados de forma unilateral. Diante do exposto, os passageiros não devem ser prejudicados em função dos valores não terem sidos repassados às companhias pela 123 Milhas. O que prevalece segundo a ANAC neste caso é o cumprimento do contrato de transporte e das garantias previstas pela resolução, sob pena de multas.

Morte do Cão Joca

Ainda há lacunas, no entanto,como ficou claro na recente ausência de informações mínimas sobre o transporte de pets. O recente caso do cão Joca, que faleceu no dia 22 de abril de 2024, durante uma falha de transporte aéreo da Gollog, empresa associada à Gol foi um desses casos.

O transporte de pets é tratado no § 2 do Art. 15 do CapítuloV da Resolução nº 400/2016 que versa sobre Informações de Bagagens: “§ 2 O transporte de carga e de animais deverá observar regime de contratação e procedimento de despacho próprios”, ou seja, a segurança dos animais fica à cargo das próprias cias áreas, mas sem definir quais as premissas estas devem seguir para a prestação do serviço. Contudo, face às falhas de procedimentos no caso do cão Joca, demonstrou-se ser indispensável que a Agência defina critérios mínimos de procedimentos que assegurem o bem-estar dos pets durante o período de prestação do serviço.

Referências

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MOTA, Arthur Lula.  Akerlof e a informação assimétrica. Terraço Econômico. 2017 Disponível em:  https://terracoeconomico.com.br/akerlof-e-a-informacao-assimetrica/. Acesso em 13/06/2024.

MUGNATTO, Silvia. Governo discute regulação do modelo de negócios usado pela 123milhas. Agência Câmara de Notícias, Brasília, 13/09/2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/997084governodiscuteregulacaodomodelodenegociosusadopela123milhas/#:~:text=O%20coordenador%20de%20Estudos%20de,ilegal%2C%20mas%20precisa%20ser%20regulado. Acesso em 26/04/2024.

Resolução ANAC nº 130, de 8 de dezembro de 2009: Aprova os procedimentos de identificação do passageiro, para o embarque nos aeroportos brasileiros. 

Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2009/resolucao-no-130-de-08-12-2009/@@display-file/arquivo_norma/RA2009-0130.pdf. Acesso 27/06/2024.

Resolução ANAC nº 138, de 9 de março de 2010: Dispõe sobre as condições gerais de transporte atinentes à comercialização e às características do bilhete de passagem e dá outras disposições.

Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2010/resolucao-no-138-de-09-03-2010/@@display-file/arquivo_norma/A2010-0138.pdf. Acesso em 27/06/2024.

Resolução ANAC nº 140, de 9 de março de 2010: Regulamenta o registro de tarifas referentes aos serviços de transporte aéreo regula.

Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2010/resolucao-no-140-de-09032010/@@displayfile/arquivo_norma/RA2010-0140%20-%20Compilada%20at%C3%A9%20RA2016-0400.pdf . Acesso em 27/06/2024.

Resolução ANAC nº 141, de 9 de março de 2010: Dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de voos e às hipóteses de preterição de passageiros e dá outras providências. 

Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao1/resolucoes/resolucoes-2010/resolucao-no-141-de-09-03-2010. Acesso em 27/06/2024.

Resolução ANAC nº 350, de 19 de dezembro de 2014: Dispõe sobre o modelo de regulação tarifária, do reajuste dos tetos das tarifas aeroportuárias e estabelece regras para arrecadação e recolhimento. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao1/resolucoes/resolucoes2014/resolucao-no-350-de-19-12-2014, Acesso em 27/06/2024.

Resolução ANAC nº 400 13 de dezembro de 2016: Dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte Aéreo. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016. Acesso em 16/06/2024. 

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Acórdão 1795923, 07068253220238070004, Relator: ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 1/12/2023, publicado no DJe: 23/1/2024. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/prestacao-de-servico-de-transporte-aereo-parte-i-1/direito-de-arrependimento-nos-contratos-de-transporte-aereo-tema-controverso. Acesso em 23/07/2024.

* Kalinca Soares C, Cruz é analista de Assuntos Regulatórios na Inframerica – Administradora do Aeroporto de Brasília