Por Roberto Macedo*
É sabido que há mais estudos sobre a distribuição de renda do que a distribuição de riqueza, em que a disponibilidade de dados é menor e mais difícil de organizar, em particular se envolve também outros países. Um novo e bem-vindo estudo sobre a mesma, realizado no exterior pelo Union Bank of Switzerland (UBS), foi objeto de reportagem no jornal Valor Econômico de 11/7/2024. Constatou que aqui houve aumento da concentração da riqueza e adicionou outras considerações, inclusive sobre o índice de concentração de Gini, que abordarei mais à frente neste texto.
Segundo esse novo estudo, digno de maior atenção, realizado como parte de um relatório desse banco sobre a riqueza mundial, no Brasil a “concentração de riqueza aumentou 16,8% nos últimos 15 anos e o País já ocupa o terceiro lugar no ranking de desigualdade entre 56 nações, atrás apenas de Rússia e África do Sul”. É interessante ver também a Rússia nessa lista, pois depois de décadas de um regime dito comunista acabou desembocando numa situação desse tipo.
O estudo, que abrangeu o expressivo número de 36 países, também aponta que enquanto entre “2000 a 2010 houve uma expansão de riqueza no Brasil de 384%, com uma média anual de 15%, nos 13 anos seguintes (acrescento, entre 2011 a 2023) a taxa caiu para 55%, com um ritmo anual de apenas 3%”. Outro aspecto interessante é que o estudo prevê que “até 2028 o Brasil terá 83 mil novos milionários, em um total de 463.797 indivíduos, (…) com patrimônio igual ou superior a US$ 1 milhão”. Tanto na renda como na riqueza o Brasil sai mal na foto da distribuição. O UBS aponta que o menor crescimento da riqueza no segundo e mais recente período citado veio de fatores como a depreciação da sua moeda, inflação, queda da produtividade e menor crescimento econômico. Outro dado interessante é que “14 indivíduos no mundo contam cada um com fortunas de mais de US$ 100 bilhões. Esse grupo, no total, concentra US$ 2 trilhões em riqueza”.
O estudo também utiliza o índice de concentração de Gini para examinar o grau de concentração dentro de cada país. Esse índice varia entre 0 e 1, que indica menor e maior concentração, respectivamente, e no Brasil ele passou de 0,7 para 0,81 nos últimos 15 anos, revelando outro aspecto do aumento da concentração de riqueza. Quanto ao índice de Gini da distribuição de renda, um estudo da Fundação Getulio Vargas, usando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) e da Receita Federal, mostrou que o índice chegou a 0,7068 em 2020, valor é superior ao 0,6013 calculado apenas pela Pnad Contínua. Em qualquer caso, são valores inferiores ao último dado do UBS (0,81). Ou seja, a concentração de patrimônio é superior à da renda.
As desigualdades de renda e de riqueza no Brasil remontam ao período colonial do País, marcado inclusive pela escravidão. Os mais pobres têm maior crescimento populacional e são menos educados nos seus lares, nas escolas, no trabalho e no seu meio social. Além disso sua oferta no mercado de trabalho é maior relativamente à demanda do que os demais grupos sociais. Com tudo isso, têm menor renda, sendo-lhes muito difícil acumular patrimônio.
Esse quadro foi se formando há séculos e não tem solução imediata. Uma das razões é que as lideranças políticas não revelam uma efetiva preocupação com ele, com o que são escassas as medidas que podem modificá-lo com profundidade. Algo que poderia ajudar seria uma forte aceleração do crescimento econômico, mas, no governo federal, o Congresso, constituído predominantemente por cidadãos de maior renda, não pauta seriamente esse assunto, estando mais preocupado em atender a seus interesses pessoais e de grupos politicamente atuantes em busca de vantagens. O presidente atua de modo populista, procurando ganhos eleitorais com distribuição de benefícios sociais que trazem pouco alívio a essa situação e causam prejuízo ao crescimento econômico, pois reduzem a taxa de investimento público. Os mais pobres tampouco têm atuação política para mudar essa situação, atuando apenas como eleitores que caem nas mãos de políticos populistas.
O baixo crescimento do Brasil é uma praga que nos assalta há mais de 40 anos, e a sociedade e até mesmo analistas econômicos parecem se conformar com isso, dizendo que o crescimento potencial da economia é de apenas 2% ao ano e incorporando essa previsão para os anos vindouros. Falta um sério plano de governo para o País sair desse conformismo com a mediocridade desse crescimento. Eu estava cursando o ensino superior num período em que a economia chegou a crescer a uma média anual de 7%, o que me trouxe grandes oportunidades em termos de educação e trabalho.
Mas hoje não há solução à vista ou mesmo algo mais distante no horizonte para esse quadro. Quando o denuncio, como neste artigo, isso apazigua um pouco a minha consciência, o que dura pouco, pois logo depois voltam as minhas preocupações com esse impasse que vem prejudicando o País e os brasileiros.
* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de julho de 2024.