Um Copom chave
Por Caio Megale*
O Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom) se reúne pela 253ª vez nos dias 21 e 22 de março. Esta talvez seja uma das reuniões mais esperadas e importantes de sua história, não somente por conta do ambiente econômico complexo no Brasil e no mundo, mas também pelo momento político do país – especialmente no que diz respeito à relação entre a autoridade monetária e o Poder Executivo.
O Copom foi instituído em 1996 “com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros”, segundo o site do Banco Central (BC). É composto pelos diretores da instituição, que se reúnem para calibrar os parâmetros da política monetária em periodicidade pré-estabelecida e divulgada, embora possa haver reuniões extraordinárias. O instrumento básico utilizado pelo Copom é a taxa de juros Selic.
Na semana que sucede cada reunião, o comitê divulga sua ata – documento em que explica mais detalhadamente sua decisão. O conhecimento sobre os membros do comitê, o calendário pré-divulgado e a ata detalhando a decisão tornam a política monetária mais transparente e previsível do que a maioria das demais políticas públicas.
O objetivo central do BC (e, consequentemente, do Copom) é controlar a inflação, fazendo com que ela fique o mais próximo possível da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Os canais de transmissão dos juros para a inflação não são tema para este artigo, mas estão descritos em bons manuais de macroeconomia.
A noite de Copom é agitada. Logo após a divulgação do resultado e do comunicado que acompanha a decisão, jornalistas correm para repercutir e ouvir fontes “do mercado”. Analistas e gestores interpretam cada palavra do comunicado para tentar antever os próximos passos do comitê em relação aos juros. Uma decisão ou comunicado diferente do esperado impacta os preços dos ativos financeiros no dia seguinte, especialmente os juros futuros. É uma noite em que a rodada do futebol das quartas-feiras fica em segundo plano.
O mercado vai prestar particular atenção na reunião deste mês. Vai ser uma decisão difícil para o comitê.
O cenário de juros globais, que parecia menos incerto no início do ano, voltou a ficar em aberto. Os dados recentes de atividade fortes e de inflação elevada nos EUA sugerem juros mais altos por mais tempo. Juros mais altos por lá, geralmente, demandam juros mais altos por aqui também.
A possível crise no setor bancário iniciada com a falência do banco SVB pode significar uma mudança de 180 graus na política monetária global. Mas ainda parece cedo para esse veredicto.
No Brasil, a inflação vem rodando perto de 6%, bem acima da meta de 3,25% para este ano. Houve queda frente aos picos do ano passado (quando passou de dois dígitos) nos últimos meses, mas esse movimento parece perder força.
Mesmo que o CMN mude a meta para 4,0% ou 4,5%, como o presidente Lula indicou, ainda estaríamos longe do alvo. E, se essa mudança ocorrer, a sinalização de aceitar uma inflação mais alta tende a levar os agentes econômicos (bares, lojas, serviços etc.) a se garantir, subindo mais seus preços, tornando a inflação mais resistente na economia.
Do lado das contas públicas, a PEC da Transição aprovada logo após a eleição presidencial deu uma clara sinalização na direção expansionista, ao elevar o limite de gastos públicos de 2023 para bem além do necessário para atender as promessas de campanha.
O pacote fiscal que o ministro Haddad anunciou pode ajudar a controlar parte do déficit público, mas a maioria de suas medidas são de pouca efetividade. Um exemplo era a promessa de economizar com programas do governo, que já parece cair por terra com a revisão recente do programa Bolsa Família.
Outra sinalização de injeção de liquidez na economia é pelo BNDES. O diretor Nelson Barbosa (ex-ministro da Fazenda) afirmou em entrevista a intenção do banco de emitir títulos incentivados para financiar um aumento dos empréstimos do banco público. A postura mais ativa do BNDES expande as condições monetárias, o que tende demandar uma Selic mais elevada para equilibrar a economia.
Essas são razões que sugerem ao Copom uma postura conservadora nos juros, mantendo a Selic em 13,75% e sem sinalizar quedas no curto prazo.
Há, em contrapartida, uma grande incerteza no mercado de crédito brasileiro. Empresas vêm demonstrando dificuldades diante dos juros elevados. O endividamento das famílias é o mais elevado dos últimos anos. Por fim, a incerteza gerada por eventos corporativos, como o da Americanas, freou o mercado de capitais.
Se estivermos diante de uma trava no mercado de crédito, que empurre rapidamente a economia para uma recessão, talvez isso justifique uma flexibilização na comunicação para indicar um corte de juros próximo.
Mas parece haver pouca evidência de que isso já esteja acontecendo. O BC, na ata de seu comitê de estabilidade financeira, afirmou que a dinâmica do mercado de crédito “não representa preocupação no médio prazo”, embora reconheça que existem “incertezas”.
A meu ver, há pouca evidência de disfuncionalidade e, principalmente, de que isso pode trazer a inflação para baixo. Desta forma, reagir de imediato a essa incerteza me parece tomar um risco alto da inflação ficar mais elevada por mais tempo, caso os efeitos do choque negativo do crédito não se mostrem intensos.
Há ainda o componente político. Desde sua posse, o presidente Lula vem reiterando suas críticas ao atual nível de juros. O ministro Haddad, ao anunciar a reoneração parcial dos combustíveis, citou que isso ajudaria a reduzir juros. A ministra Simone Tebet repetiu o mantra do presidente Lula de que a inflação não é de demanda – argumento que discordo não apenas porque vejo sinais de inflação de demanda, como também porque cabe ao Copom reagir aos efeitos secundários, mesmo que inflação seja resultado de um choque de oferta.
Nesse contexto, o governo parece esperar uma sinalização benigna do Copom nesta próxima reunião, indicando corte de juros iminente. Do ponto de vista técnico, no entanto, isso parece improvável, considerando as razões mencionadas acima. Pode ser um risco à sua credibilidade.
Há a aposta de que o anúncio do novo arcabouço fiscal convença o Copom. Entendo que, mesmo com uma proposta crível e rígida, esse será apenas o pontapé inicial. Ainda haverá trâmite no governo e no Congresso.
Assim, parece uma estratégia mais segura ao Copom – formalmente independente, que fará sua segunda reunião sob um governo que não o nomeou – manter uma postura neutra e técnica, aguardando a consolidação dos fatos para tomar uma decisão mais convicta. Se arriscar e errar, o risco é colher uma inflação mais alta por mais tempo, colocando em xeque sua credibilidade. Depois, é difícil a pasta voltar ao dentifrício.
O Copom se reunirá sob pressão da inflação e da política, e com grande incerteza sobre os juros internacionais e o mercado de crédito brasileiro. Não será fácil, e o barulho será grande qualquer que seja a decisão.
Dia 22 de março, 18h30, nas telinhas perto de você. Não perca.
* Caio Megale é economista-chefe da XP Investimentos. Foi secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio e Diretor de Programas no Ministério da Economia entre 2019 e 2020. Antes, foi Secretário Municipal da Fazenda de São Paulo de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. No mesmo período, foi vice-presidente da Associação Brasileira de Secretários de Finanças das Capitais (ABRASF). Entre 2011 e 2016, foi associado do Itaú Unibanco e um dos responsáveis pela equipe de economistas do banco. Anteriormente, foi economista do Lloyds Asset Management, da Máxima Asset Management e da Gávea Investimentos. Em 2005, participou da fundação da Mauá Investimentos, da qual foi sócio e economista chefe até 2010.
Artigo publicado originalmente no dia 13 de março de 2023 no website da InfoMoney.
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