Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.
Por Roberto Macedo*
Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.
Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.
A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.
São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.
Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.
O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.
Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.
Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.
No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.
Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.
* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.
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