Pacheco e os quinquênios para juízes e promotores
Em lugar do adicional salarial de 5% a cada cinco anos, deveriam ser reduzidos os salários iniciais dessas carreiras.
Por Roberto Macedo*
Refiro-me a Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e à matéria intitulada Pacheco defende penduricalho para juízes e promotores, mas critica supersalários, no site da Folha de S. Paulo no dia 25 do mês passado. A matéria tem razão ao chamar de penduricalho a ideia de recriar os quinquênios a que tinham direito os membros da magistratura e do Ministério Público. Isso significaria adicional salarial de 5% a cada cinco anos, e seria mais um privilégio descabido, por razões que apresentarei mais adiante.
A ideia integra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 63, conhecida como PEC do Quinquênio, apresentada em 2013, ou seja, há quase dez anos, e que “(…) passou os últimos dez anos praticamente esquecida no Senado”. Se isso ocorreu, já é um bom sinal de sua inconveniência, na avaliação de senadores, mas recentemente retornaram as pressões para que essa PEC voltasse a andar, e o assunto chegou a manchetes como a da matéria citada.
Pacheco criticou a falta de progressão nas remunerações de juízes e promotores ao longo da carreira. Textualmente: “(…) temos de entender que também não é lógico, é uma distorção um profissional, promotor de Justiça, no início da carreira receber a mesma remuneração de alguém no final da carreira”.
Nisso ele tem razão, mas o problema está na solução proposta pela PEC, de recriar os quinquênios, pois trata-se de um bônus automático que não estimula a busca do aprimoramento profissional e até incentiva a não opção pela aposentadoria com o objetivo de ampliar a coleção individual de quinquênios.
Para corrigir o problema, minha sugestão parte da referida constatação de salários idênticos no início e no final da carreira. Mas cabe perguntar: que salários são esses? Num site voltado para ensinar candidatos a concursos, soube da existência de um, para juiz federal substituto e juíza federal substituta da Terceira Região, e nesse site é dito que o salário inicial (!) mensal é de R$ 32.004,65 (!). Certa vez, ouvi que num cursinho para concursos os que buscavam o de juiz discutiam entre si qual o carro que comprariam se passassem, um Audi, um BMW ou outro na mesma linha. Não sei se isso de fato ocorreu, mas faz sentido.
Insisto: é neste altíssimo salário inicial que está a distorção. Se fosse a metade, já estaria ótimo. Com o que conheço do mercado de trabalho, não sei de outra carreira, fora da magistratura e do Ministério Público, que tenha um salário inicial tão alto. Se começasse com a metade desse valor para os novos ingressantes, poderiam ser criadas funções ao longo da carreira para quem demonstrasse qualificações para a ascensão funcional.
Perguntei a alunos do curso de Economia da Universidade de São Paulo (USP) já próximos da formatura qual seria o salário que poderiam ter logo depois, para início de carreira. A resposta foi que um salário em torno de R$ 10 mil mensais seria considerado adequado.
Vou dar, também, o exemplo da carreira de magistério na USP, onde, depois de me aposentar, voltei a lecionar em 2019 como professor voluntário. O cargo inicial da carreira é de professor assistente, para o qual já se exige o título de doutor. Depois de alguns anos, é preciso mostrar serviço, como publicações e carga docente, para obter o título de livre-docente, que credencia seus diplomados a disputar o concurso de professor adjunto. Finalmente, há o concurso para professor titular, com número limitado de cargos, e só uns poucos chegam a eles.
Dei uma olhada no edital de concurso de juízes e vi que é aberto a bacharéis em Direito formados há mais de três anos e que comprovem exercício profissional na área num período de mesma duração. Entre os degraus da carreira proposta, poderia haver uma combinação de carreira acadêmica via mestrado, doutorado e livre-docência, com a experiência profissional ao longo dela, como o número e o alcance de decisões processuais e o exercício de cargos administrativos. Mais alternativas poderiam ser discutidas, se houver a opção por um salário inicial menor, o que também poderia alcançar outras carreiras, no contexto da reforma administrativa que vem sendo discutida.
O altíssimo salário inicial também pode ser enquadrado na discussão dos supersalários no setor público. Disse Rodrigo Pacheco: “Ninguém defende o supersalário, por isso que existe um projeto no Senado, para poder disciplinar o que é subsídio e o que é verba indenizatória”. Mas há que discutir valores, e talvez Pacheco não tenha percebido que o salário inicial citado é, também, um supersalário. E as carreiras que a PEC contempla também são beneficiadas com férias de 60 dias, o que aumenta o salário médio por mês de trabalho efetivo.
Ainda sobre a verba indenizatória, soube que os quinquênios estão sendo solicitados como indenizações para escapar ao teto de remuneração e evitar a incidência do Imposto de Renda. É a primeira vez que ouço dizer que quinquênio não é remuneração, mas indenização. Quem defende isso deveria é ser multado por falta de lógica.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 21 de abril de 2022.
Tags: juízes, promotores, Proposta de Emenda Constitucional (PEC), supersalários