Investimentos também crescem muito pouco
Em linha com o fraco desempenho da economia, números da Formação Bruta de Capital Fixo também estão fragilizados.
Por Roberto Macedo*
Prossigo minha pregação de que a situação da economia brasileira é muito pior do que se vê no noticiário e nas discussões sobre o assunto. Aliás, o fraco crescimento da economia não é sequer discutido seriamente pelo Congresso Nacional, ao qual também caberiam providências para tratar dela, e o Executivo passa por uma fase de desgoverno populista e eleitoreiro, que tampouco dá a devida atenção ao crescimento.
Começarei com um retrato muito feio da economia, com o propósito de difundi-lo e, quem sabe, despertar reações em contrário da sociedade e do governo. Em seguida, passarei aos investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como em máquinas e equipamentos, que têm grande impacto sobre o crescimento e que também, em linha com o fraco desempenho deste, estão fragilizados.
Olhando a economia desde a década de 1900, os dados mostram inicialmente um crescimento médio do PIB perto de 4,5% ao ano, e alcançando a expressiva taxa de 8,8% na década de 1970, tornando-se, então, uma das economias que mais cresciam no mundo.
Contudo, a partir da década de 1980 e até a década de 2010, que vai até 2019, este crescimento despencou para uma taxa média anual de apenas 2,4%. Esta década de 2010 teve um crescimento médio de apenas 1,4% e foi a de pior desempenho de toda a série de dados, que cobriu 12 décadas(!).
A década de 2020 já começou pior ainda, pois, principalmente pelo efeito da pandemia de covid-19 nos seus dois primeiros anos, o PIB teve um crescimento anual médio de ínfimo 0,35%, que não cobriu sequer o crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano, caindo, assim, o PIB per capita. Este período pós 1980 pode ser visto como de estagnação, que meu dicionário define como uma economia crescendo abaixo do seu potencial. Como muita gente, acredito que com uma boa arrumação o Brasil poderia crescer bem mais. Com este desempenho desde 1980, o Brasil é tido como um país que caiu na chamada armadilha da renda média.
Além dessa desastrosa estagnação, desde 2014 o Brasil entrou numa depressão – algo mais longo do que as duas recessões ocorridas neste período –, e essa depressão ainda não foi superada, pois até hoje o PIB não voltou ao valor que tinha naquele ano (!). Portanto, este retrato da economia em estagnação e depressão é algo realmente lamentável, mas ainda não despertou um movimento em sentido contrário do País e de seu governo. É preciso que a sociedade perceba este desastre, cobrando providências dos governantes e dos políticos em geral.
Passando aos investimentos em FBCF, eles são importantes para o crescimento porque aumentam a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que estimulam a sua demanda ao expandirem o emprego e o pagamento de salários e de lucros.
O mais recente relatório do IBGE sobre as contas nacionais trimestrais – do quarto trimestre de 2021 – apresenta um gráfico em que a FBCF aparece como porcentagem do PIB desde 2000, começando com o valor de 18,3% e alcançando 20,9%, o valor máximo de todo o período, em 2013. A partir daí, passou a cair até 14,6%, em 2017, ficando um pouco acima disso nos dois anos seguintes. Contudo, em 2020 e 2021, surpreendeu ao passar para 16,6% e 19,2%, respectivamente, de forma inconsistente com o crescimento do PIB neste período, que, conforme mostrado acima, apresentou taxas muito baixas.
Buscando uma explicação, consultei o economista Cláudio Considera, da FGV-Rio, conhecedor reconhecido das Contas Nacionais, que me sugeriu um artigo recente do economista Gilberto Borça Jr. O texto, apropriadamente intitulado Investimento em alta no Brasil, mas nem tudo que reluz é ouro, esclareceu que cerca de 40% do aumento da porcentagem da relação FBCF/PIB entre 2018 e 2021 foram devidos ao crescimento dos preços dos bens de capital acima do índice de preços do PIB e à internacionalização contábil de plataformas de exploração de petróleo, de alto custo, até então contabilizadas no exterior. Estes 40% não significaram, assim, um crescimento real da FBCF.
Cabe examinar, também, o investimento público, componente do investimento total, pois sua queda foi mais forte. No site do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (Rio), há o gráfico de uma série de 1947 a 2020 deste investimento como porcentagem do PIB. Depois de subir, desde o início da série, de perto de 3% do PIB para o recorde de cerca de 10%, em 1974 – na década de 1970, a de maior crescimento do PIB em 12 décadas, conforme apontado acima –, ele foi caindo até chegar a perto de apenas 2% do PIB, em 2020, revelando-se como um dos fatores que levaram à armadilha da renda média.
Para o leitor ter uma ideia da importância da taxa de investimento em FBCF relativa ao PIB, no período em que a China crescia perto de 10% ao ano, essa taxa chegou próxima de 45% ao ano. O Brasil jamais chegaria a tanto, mas ao menos poderia começar com a meta de 25% ao ano.
* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de março de 2022.
Tags: Crescimento Econômico, Economia brasileira, formação bruta de capital fixo, investimento público