Desafios do próximo governo
Por Roberto Teixeira da Costa
Héracles ou Hércules é o herói mais popular de toda mitologia clássica. Das lendas, a que se distingue é a dos 12 Trabalhos, façanhas que Hércules executou por ordem de seu primo Euristeu, entre elas a de libertar o mundo de certos monstros.
Creio que ao nosso futuro presidente não faltarão monstros, novos, e também velhos conhecidos, que sobrevivem há muitos anos. O 1.º desafio são as expectativas em torno do futuro presidente. Não esperar milagres, e sim racionalidade, elencando as prioridades.
Nós nos acostumamos com a centralização do poder na mão do Executivo, esquecendo-nos que a Constituição de 88 esvaziou muitas de suas funções e redistribuiu recursos, sem necessariamente a transferência das responsabilidades. Portanto, caberá ao eleito não criar expectativas irrealistas.
O 2.º é costurar alianças partidárias que permitam viabilizar uma base de governabilidade capaz de apoiar um programa racional de governo. Convém evitar erros cometidos por antecessores, que em sua campanha eleitoral prometeram uma Presidência de total independência, e, posteriormente, tiveram de se dobrar à dura realidade, fazendo sucessivas concessões. A qualidade do Congresso eleito será fundamental para vencer os enormes desafios e deve estar sintonizada com o programa do futuro presidente.
Apesar da fragmentação do nosso sistema político, as próximas eleições não devem contrariar a necessidade de coligações.
O 3.º é a formação de um Ministério que não decepcione expectativas dos eleitores. O atual presidente começou por frustrar a sociedade com a indicação de pessoas, com exceções, que, por inexperiência ou arrogância, não tiveram o respaldo para enfrentar os desafios. Assim, um conjunto de nomes expressivos e identificados com as pastas que ocuparão é de fundamental importância para dar viabilidade ao governo.
O 4.º é ter um programa de governo realista, que até o momento não foi apresentado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas. Essencial que sejam pragmáticos e viáveis de serem implementados.
O 5.º faz referência às questões do nosso Judiciário, que precisa estar continuamente aparelhado para as suas importantes funções. Dentro das limitações existentes, tem se desdobrado para atender às demandas da sociedade. O equilíbrio entre os Três Poderes é essencial e o excesso de judicialização nos demais Poderes deve ser evitado.
Na área econômica, os desafios não são menores e estão condicionados aos aspectos políticos mencionados. É claro que o maior deles é a consolidação do real como moeda confiável e, para tanto, termos uma política fiscal e de equilíbrio nas contas públicas é essencial. Estes estão ligados à aprovação de reformas estruturais:
a) Constitucional – com ênfase na simplificação e na reforma do capítulo da ordem econômica, e a revisão dos monopólios e aceleração das privatizações;
b) Fiscal – consolidações para geração primária de superávit. Simplificação do sistema tributário para aprimorar a qualidade de arrecadação com maior equidade;
c) Administrativa – modernizar as instituições governamentais, para sermos competitivos, acabando com privilégios e lutando contra a burocracia que emperra o País. A corrupção deve ser combatida e priorizada com todo arcabouço legal disponível;
d) Não retroceder na Reforma Trabalhista aprovada pelo Congresso em 2017.
10.º refere-se ao emprego. Esse desafio extrapola inclusive as fronteiras nacionais, posto que o desemprego está na agenda de muitos países.
A eventual abertura comercial ampliará o debate sobre essa questão, em que conciliá-la com a abertura, sendo um global player, defendendo o mercado, será um dos maiores desafios e tem no seu bojo a questão da nossa inserção externa.
Reciclar e ajustar a nossa mão de obra, na qual a inteligência artificial já é uma realidade.
O 11.º é a busca de um Estado mínimo, mais eficiente e dinâmico, e que cumpra seus objetivos na área de educação, saúde, habitação, segurança pública e também o aumento de nossa taxa de poupança, para voltar aos níveis da década de 70-80, quando nos aproximamos dos 25%. Nas condições atuais, com participação de 15% do Produto Nacional Bruto (PNB), estamos relegados a continuar sendo um país em desenvolvimento, que nunca alcançará seus objetivos.
Temos ainda um condicionante indeterminado: a questão da pandemia que está tomando características endêmicas.
Não poderia deixar de mencionar o retorno de uma política externa que vise a recuperar a credibilidade de nosso país, para sermos novamente vistos e respeitados como um país que cumpre suas obrigações, respeitador das leis e comprometido em mitigar as desigualdades de renda, a prioridade de todas prioridades.
Vamos lutar para que, quem quer que seja eleito, esteja imbuído da mesma coragem e determinação de Hércules e que obtenha o sucesso que todos nós desejamos para que nosso País realmente dê um salto qualitativo e quantitativo que nos recoloque na linha de frente daqueles países que são respeitados e procurados por seu potencial de crescimento.
Roberto Teixeira da Costa é economista, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de fevereiro de 2022.