Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) e Guia de ARR em 2022: mais um passo firme na agenda de melhoria regulatória do Brasil
Por Kelvia Frota de Albuquerque*
O Decreto 10.411/2020, proposto pelo Ministério da Economia (ME), endereçou em âmbito federal duas das mais importantes ferramentas de melhoria regulatória atualmente em uso ao redor do mundo: a Análise de Impacto Regulatório (AIR), ou análise ex ante da regulação, que já teve sua implementação discutida aqui[1]e passou a ser obrigatória em 2021, e a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), ou avaliação ex post da regulação, que passará a ser obrigatória em 2022.
A AIR, que tem foco prospectivo, cuida de analisar um problema regulatório identificado para informar os tomadores de decisão sobre alternativas de ação a serem consideradas e seus respectivos impactos, a partir dos objetivos desejados, antes de edição de qualquer normativo. Regulação envolve sempre custos e benefícios que precisam ser considerados previamente. Seria possível utilizar alternativas não normativas? E qual seria o resultado de não fazer nada, ou seja, manter o status quo?
Já a ARR tem foco retrospectivo e se refere, para utilizar a definição do decreto, à verificação dos efeitos decorrentes da edição de um ato normativo, considerados o alcance dos objetivos originalmente pretendidos e os demais impactos sobre o mercado e a sociedade em decorrência da sua implementação. O que aconteceu, do ponto de vista substantivo? Será que o normativo funcionou conforme o esperado ou são necessários ajustes? Será que os objetivos do normativo podem ser atingidos de maneira menos custosa? Será que houve novas descobertas científicas que afetaram a base da intervenção regulatória?
A AIR e a ARR, percebe-se logo, são ferramentas complementares e buscam avaliar a ação regulatória de forma transparente e com base em evidências, sendo a principal diferença entre as duas o momento do ciclo regulatório[2] em que a análise ocorre[3].
Menos difundida e mais complexa do que a AIR, a ARR é ainda um desafio, mesmo nos países mais avançados no tema, e é etapa importante para “completar” e retroalimentar o ciclo regulatório: além de fornecer retorno sobre o desempenho de um normativo, na prática, traz insumos para a evolução da regulação ao longo do tempo.
O decreto trouxe aos órgãos e entidades federais a diretriz geral de integração da ARR à atividade de elaboração normativa, de forma isolada ou conjunta, sendo que a ARR poderá também ter caráter temático e ser realizada apenas quanto a partes específicas de um ou mais atos normativos.
Assim como na AIR, na ARR também deve ser observado o princípio da proporcionalidade: a análise é custosa em termos de tempo e de recursos envolvidos e os esforços devem ser prioritariamente empregados nos casos obrigatórios[4] e nas regulações mais relevantes.
Os compromissos previstos sobre a ARR no Decreto 10.411/2020 serão iniciados a partir de 2022 para a Administração Pública Federal como um todo. Regra geral, será necessário elaborar, a cada mandato presidencial, uma agenda de ARR que deverá incluir pelo menos um ato normativo de interesse geral dos órgãos e entidades, de acordo com critérios preferenciais estabelecidos no normativo[5]. Excepcionalmente neste primeiro mandato de vigência do decreto, a agenda de ARR deverá ser divulgada até 14 de outubro e concluída até 31 de dezembro de 2022.
Ao contrário da AIR, a ARR ainda possui arcabouço teórico e prático relativamente pouco consolidado, mesmo internacionalmente, e não havia ainda no Brasil referencial específico a ser utilizado para apoiar o cumprimento do decreto.
Assim, para suprir essa lacuna, em 2020 a Secretaria Executiva do ME iniciou a coordenação de discussões técnicas com as agências reguladoras e o Inmetro com vistas à elaboração conjunta de um Guia Orientativo para Elaboração de ARR (Guia de ARR). Agregou-se a esse grupo a importante colaboração do UERJ-Reg, Laboratório de Regulação Econômica da UERJ[6].
Após cerca de um ano de trabalho colaborativo, a minuta do Guia de ARR foi disponibilizada para consulta pública por 45 dias (28/09 a 12/11/2021)[7] no Participa + Brasil, plataforma digital do governo federal criada para promover e qualificar o processo de participação social.
O Guia tem caráter orientativo e não vinculante, sendo sua finalidade principal auxiliar os servidores públicos incumbidos das ARRs. Trata-se de sugestão de roteiro analítico e de diretrizes gerais para a avaliação que não buscam, de modo algum, engessar as análises. Técnicas e métodos mais adequados devem ser definidos no caso concreto, considerando a complexidade do tema e a capacidade de execução do órgão ou da entidade.
A base do Guia de ARR é o estabelecido pelo Decreto 10.411/2020 e o documento contém todas as orientações necessárias para seu cumprimento. Não obstante, cabe observar que seu foco é mais amplo, com o apontamento de boas práticas internacionais eventualmente não incorporadas pelo normativo e que podem vir a ser utilizadas pelos reguladores.
Embora tenha sido elaborado com foco no Poder Executivo Federal, as orientações reunidas no Guia de ARR podem ser utilizadas, igualmente, por outros entes da federação e outros Poderes.
Em uma visão panorâmica, o Guia traz orientações gerais contemplando os princípios de uma boa avaliação, os diferentes tipos de olhar retrospectivo, o princípio da proporcionalidade na ARR e a importância da participação social e da transparência; endereça o monitoramento da regulação e o planejamento da ARR; sugere procedimento para a elaboração da agenda de ARR; discorre sobre estratégias de coleta e de tratamento de dados[8]; propõe roteiro para elaboração do Relatório de ARR; discute a integração da ARR no ciclo regulatório; traz um glossário com as principais definições conceituais utilizadas e, por fim, aponta um rol de questões para orientar a elaboração do Relatório de ARR, de acordo com o roteiro proposto. Adicionalmente, o Guia lista, após cada capítulo, as referências bibliográficas utilizadas, de modo a possibilitar o aprofundamento dos temas sempre que necessário.
A participação da sociedade no processo de elaboração do Guia, além de sabida boa prática regulatória, foi considerada fundamental para que pudessem ser disponibilizadas as melhores orientações, do modo mais simples, claro e abrangente possível, de forma a impulsionar a efetiva implementação da ARR.
Foram recebidas 81 contribuições no âmbito da consulta pública (ou 89 unidades de análise, já que algumas trataram de mais de um tema), das quais cerca de 2/3 foram acatadas integral ou parcialmente na versão final do Guia.
A participação social no processo regulatório é, sem dúvida, algo trabalhoso e custoso, tanto para o governo quanto para a sociedade. Mas é fundamental, não só por reduzir a assimetria de informação como por embasar e legitimar a tomada de decisão. Por isso mesmo, o Ministério da Economia a recomenda fortemente[9], apesar de não haver obrigatoriedade ainda no âmbito da administração direta, apenas no âmbito das agências reguladoras[10].
O fato é que as contribuições recebidas, como um todo, sinalizaram as partes do Guia que precisam ser destacadas e explicadas de modo mais detalhado, para melhor entendimento do documento, o que subsidiará as etapas de divulgação do documento e de capacitação, ao passo que as contribuições acatadas detalharam adequadamente pontos específicos do texto ou conferiram-lhe maior clareza, tendo possibilitado o aprimoramento do Guia. Assim, este artigo também é uma oportunidade para agradecer a todos que se dispuseram a contribuir na consulta pública.
A partir de agora, o Brasil já pode contar com um referencial teórico robusto para orientar a capacitação, a comunicação e a governança interna de suas instituições para a elaboração das ARRs, no melhor padrão internacional.
A utilização sistemática das ARRs em todo o governo federal a partir deste ano é, certamente, mais um passo firme do País na agenda de melhoria regulatória.
E melhoria regulatória, a experiência internacional aponta, é um fator chave para um melhor ambiente de negócios e, por consequência, para mais crescimento econômico, mais emprego e mais renda para a população.
[1] Artigo disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/2020/07/22/para-implementar-a-analise-de-impacto-regulatorio-air/
[2] O ciclo regulatório, de acordo com a OCDE “implica uma abordagem integrada para a implementação de instituições, ferramentas (como a AIR e a ARR) e processos” e é utilizado aqui para reforçar o aspecto da necessária integração, continuidade e retroalimentação entre as diferentes etapas da vida de uma regulação.
[3] Guia de ARR, versão final após consulta pública, pág. 7, disponível em https://www.gov.br/participamaisbrasil/cp-guia-arr
[4] O Decreto 10.411/2020 prevê, no art. 12, que os atos normativos cuja AIR tenha sido dispensada em razão de urgência serão objeto de ARR no prazo de 3 anos de sua entrada em vigor.
[5] O art. 13 do decreto estabelece que a escolha dos atos normativos que integrarão a agenda de ARR observará, preferencialmente, um ou mais dos seguintes critérios: I) ampla repercussão na economia ou no País; II) existência de problemas decorrentes da aplicação do referido ato normativo; III) impacto significativo em organizações ou grupos específicos; IV) tratamento de matéria relevante para a agenda estratégica do órgão; ou V – vigência há, no mínimo, cinco anos.
[6] O UERJ-Reg é uma entidade sem fins lucrativos, vinculada à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ com afinidade acadêmica e experiência prática em temas relacionados à melhoria regulatória.
[7] A consulta pública, na íntegra, pode ser acessada em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/cp-guia-arr. Foi disponibilizada planilha de contribuições que conta com o posicionamento, a respectiva justificativa e, quando é o caso, o extrato de texto ajustado, além da versão final do Guia, ainda sem formato de edição final.
[8] Cabe observar que o art. 17 do Decreto 10.411/2020 estabelece que os órgãos e entidades implementarão estratégias específicas de coleta e de tratamento de dados de forma a possibilitar a elaboração de análise quantitativa e, quando for o caso, de análise de custo-benefício.
[9] Vide documento orientador sobre participação social, pág. 3, em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air/2.AIRManualdeParticipacaoSocial.pdf
[10] A realização de consulta pública é obrigatória na hipótese do art. 9º da Lei nº 13.848, de 2019, para as agências reguladoras.
* Kelvia Frota de Albuquerque é formada em economia pela Universidade de Brasília, com pós-graduação em administração pública pela Fundação Getulio Vargas, servidora pública federal, atualmente é diretora na Secretaria Executiva do Ministério da Economia, onde coordena o projeto estratégico ministerial de implementação da AIR.