Após concluída no 1.º semestre, recuperação da economia passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo.
Por Roberto Macedo*
Começarei pelo V. Tenho à minha frente um gráfico que mostra o índice do volume do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral desde o trimestre final de 2019, quando o valor desse índice foi de 171,6, com a média de 1995 = 100. Com a chegada da Covid-19, no final do primeiro trimestre de 2020, o índice caiu para 167,6. No trimestre seguinte, teve queda mais forte e atingiu 152,6, seu ponto mais baixo no ano, que se tornou o vértice de um V, porque em seguida veio a recuperação, com o índice passando a 164,3 e a 169,4 no terceiro e no quarto trimestres de 2020, respectivamente.
Com isso, o PIB findou o ano só um pouco abaixo do que era no último trimestre de 2019, ou seja, 171,6, conforme apontado acima. No primeiro trimestre de 2021, a recuperação em V se completou com o índice de 171,5, muito próximo do que tinha no final de 2019. Vale repetir: 171,6.
Com números já citados, o crescimento entre o primeiro trimestre de 2021 e o último trimestre de 2019 foi de 1,2%, taxa muito boa para uma variação trimestral, impulsionada, entre outros fatores, pelo desempenho do agronegócio, que é mais forte no primeiro trimestre, marcado pela colheita de safras plantadas no ano anterior, que cresceram. Também pesou um forte aumento de investimentos em capital fixo (fábricas, máquinas e outros), como proporção do PIB, em boa parte decorrente da contabilização, no Brasil, de caríssimas plataformas de exploração de petróleo até então escrituradas no exterior.
Daí para a frente, a economia brasileira passou a mostrar desempenho fraco, inclusive caindo um pouquinho no segundo trimestre de 2021, quando o índice de seu PIB ficou em 171,4, após ter alcançado 171,5 no primeiro trimestre deste ano.
Olhando para a frente, a previsão do crescimento do PIB entre 2021 e 2020, revelada pelo boletim Focus, do Banco Central (BC), de sexta-feira passada, é de um aumento de 5,0%, o que seria uma taxa ótima, não fosse o fato de que decorre principalmente da forte queda do PIB em 2020, que foi de 4,2%. Com essa queda, e conforme números acima, o índice médio do PIB naquele ano foi de 163,5. Se não crescesse nada dentro de 2021, ficando no valor a que chegou no último trimestre de 2020, ou seja, 169,4, só isso levaria a um crescimento anual de 3,6%!
Portanto, esta previsão de uma taxa de 5% em 2021 é, na sua maior parte, resultante do V que marcou o ano de 2020. E tem implícita a hipótese de que dentro de 2021 o PIB cresceria apenas mais uma parcela de 1,4%. Como já cresceu 1,2% no primeiro trimestre e ficou praticamente estável no segundo, pode-se concluir que a última previsão do relatório Focus, do BC, envolve, também implicitamente, a hipótese de que o desempenho da economia no segundo semestre deste ano será muito fraco.
Com esses dados, a recuperação em V, após concluída no primeiro trimestre do ano, passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo. E, juntando o V com essa reta, o gráfico tem formato parecido com o do símbolo da raiz quadrada.
O mesmo formato também aparece a partir de dados do IBC-Br, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, que procura prever as taxas de variação mensal do PIB. Esse índice, que tem como base a média de 2002 = 100, mostrou também um V em 2020, terminando o último trimestre do ano com o valor médio de 137,6. No primeiro trimestre de 2021, subiu 1,5%, caiu 0,4% no segundo e, já mostrando os dados de julho e agosto do terceiro trimestre, a variação da média desses dois meses relativamente à do segundo semestre foi de apenas 0,1%. Ou seja, após a subida no primeiro semestre, caiu no segundo e ficou por aí, levando também a algo próximo da linha reta que forma a raiz quadrada após o V da recuperação.
Dei, também, uma olhada em índices setoriais do IBGE, e vi que até agosto os da indústria, comércio e serviços não mostravam força capaz de crescer o PIB com maior vigor até o fim do ano. Creio que esse panorama da raiz quadrada é que vem levando à redução da previsão do crescimento do PIB também em 2022, que segundo o mesmo Focus estava em 1,5%, e entre analistas do mercado já há quem aposte até em 0,5%.
Por trás desse desempenho está o aumento da inflação, que sobe há 28 semanas no Focus e corrói o consumo das famílias, pois seus rendimentos não acompanham o ritmo inflacionário, mais o aumento dos juros e as incertezas políticas que prejudicam o investimento privado e desvalorizam o real, também com impacto inflacionário. E há, ainda, problemas nas cadeias de suprimentos e um enfraquecimento da economia internacional, em particular da China. Ademais, o governo federal não tem recursos para aumentar sensivelmente os investimentos públicos e parece estar só preocupado em investir em projetos eleitorais do presidente da República e do Centrão.
E assim segue a economia brasileira, sem rumo. Ou, pior, só têm rumo os projetos populistas de seu comandante e dos que o apoiam. Espero que ao menos ele não chegue ao destino que tanto almeja.
* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.