O Boletim de Urna, impresso, é a base de um sistema de apuração seguro
Por Roberto Macedo
Sempre fui convicto de que o sistema eleitoral brasileiro, de urnas eletrônicas, reflete com precisão a vontade do eleitor, não cabendo a grande e obsessiva suspeição com que é visto pelo presidente Bolsonaro e parte de seus apoiadores. Mas resolvi rever o assunto, procurando também saber mais sobre o voto impresso tão defendido por esse grupo, ainda que ele não esclareça bem o que entende por isso.
Esse reexame foi útil, pois aprendi mais sobre o sistema eleitoral, em particular o fato de que as urnas já são dotadas internamente de uma impressora que no final da votação nas seções eleitorais produz uma lista dos totais de votos obtidos individualmente pelos candidatos e pelos partidos, o chamado Boletim de Urna (BU). Meu aprendizado veio principalmente de conversas com pessoas que atuaram como mesários nas eleições de 2018: minha filha Cristiana Santos de Macedo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, e um amigo advogado, Wilson Victorio Rodrigues, também diretor-geral da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP), ligada à Associação Comercial da capital paulista.
Após os mesários se reunirem para dar início à votação, às 8 horas da manhã, a urna primeiro imprime a chamada “zerésima”, um termo que vem do zero, para comprovar que não há registros de votos na urna utilizada.
A urna não está ligada à internet, só se liga à eletricidade, sendo assim à prova de hackers, e pode ser auditada quanto ao seu bom funcionamento. Ela contém três dispositivos de memória, na forma de dois cartões eletrônicos, para garantir a segurança dos registros, e um pendrive. Concluída a votação, este é retirado e levado pelo presidente da mesa ao cartório eleitoral, onde passa à apuração usando uma rede virtual privativa da Justiça Eleitoral.
Como já disse, ignorava uma informação muito importante, a de que o BU é impresso no fim da votação. Ele segue com o pendrive e uma cópia é postada na porta da seção eleitoral. Soube que o BU é longo, pois o papel de impressão é bem estreito, como o de impressoras de caixas de supermercados. Inclui um código QR para ser copiado por interessados. Nas eleições de 2022, pretendo chegar perto do encerramento da votação, para ver também o BU, e se meu voto estará lá, ainda que somado a outros para os mesmos candidatos em que votarei.
Ora, o BU deveria ser de conhecimento geral, o que exigiria acesso fácil. Não sei como é feito no detalhe o processo da apuração e agregação dos votos, mas imagino que algo parecido com as planilhas do Excel seja utilizado para somar os resultados das seções eleitorais por zona eleitoral, estes também agregados no nível municipal, depois estadual e, finalmente, o nacional, como será o caso das eleições do ano que vem. Soube que todos esses dados e suas agregações estão no site da Justiça Eleitoral, mas isso não facilita o acesso aos cidadãos em geral.
O Diário Oficial da União não é mais impresso e talvez fosse o caso de contratar um jornal diário para publicar, com fonte diminuta, todos os BUs e as planilhas que os agregam. Assim, qualquer pessoa poderia verificar se os resultados divulgados pela Justiça Eleitoral contam com seu voto, conferindo também as somas das planilhas. Creio que poucas pessoas se interessariam por essa conferência, mas o processo eleitoral se tornaria mais transparente para os interessados. Para saber mais sobre o BU recomendo esta apresentação do ministro Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), atuando como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (https://www.youtube.com/watch?v=zlIASijb6Go).
Também conheci a versão do voto impresso defendida na proposta que a Câmara dos Deputados não referendou. Segundo o site www.politize.com.br/pec-135-19, seria adicionado ao texto constitucional (artigo 14), um parágrafo nestes termos: “No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e referendos, independentemente do meio empregado para o registro de votos, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.
Ou seja, o eleitor iria apenas conferir seu voto, creio que pela tela da urna, sem tocar no impresso. Auditoria? O próprio eleitor poderia fazer a sua, vendo se seu voto está totalizado na lista de resultados, mas é preciso facilitar o acesso a ela, conforme já argumentado. Ninguém conseguiu provar que individualmente a urna esteja sujeita a fraudes.
Como economista, entendo que a complicação da referida proposta de voto impresso não resiste também à sua análise em termos da relação entre seu o custo e o seu benefício, o qual não vejo, mas vi estimativas de custo variando entre R$ 2 bilhões (do ministro Luís Barroso, já citado), e R$ 2,5 bilhões (do TSE). Ou seja, muitíssimo dinheiro por nada, sem contar o maior tempo tomado do eleitor e dos mesários no processo de votação.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 19 de agosto de 2021.