Concessões de Infraestrutura do Governo Federal: planejamento e entregas em 2021
Por Martha Seillier* e Thiago Caldeira**
O programa de concessões e a atração de investimentos privados para a infraestrutura no Brasil vem se desenvolvendo com velocidade nos últimos anos, apoiado pela mobilização de elevada parcela do corpo técnico do governo federal, contratação de consultores privados, ampla consulta à sociedade e contínuo diálogo com os potenciais investidores.
Avançar com a agenda de infraestrutura envolve muita resiliência, planejamento, boa governança dos projetos, transparência e capacidade técnica. Em média, gasta-se em torno de 2 anos entre a decisão de fazer e a assinatura de um contrato de concessão de serviços públicos ou de uso de bem público. Tal prazo varia consideravelmente entre os setores, a depender do grau de maturidade e capacidade de execução.
A assinatura de um contrato de concessão exige a execução de uma série de procedimentos: estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental; consulta pública; discussão com órgãos de controle; realização do certame licitatório; adjudicação e constituição de sociedade para assinatura do contrato. No meio do caminho, muitos desafios: contestações judiciais, disputas políticas, novos atores no curso do processo, revisões e modificações de projetos, etc.
Tendo em conta o desafio de elevar a qualidade da infraestrutura no Brasil, uma grande lista de projetos (greenfield e brownfield) foi iniciada nos últimos anos, especialmente impulsionados com a criação do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, em 2016. A carteira de projetos incluídos no Programa recebe deliberação pelo Conselho do PPI, liderado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, e formado por mais seis ministros de Estado e os presidentes do Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES.
Com recomendação do Conselho, o presidente da República decide pela inclusão dos projetos no PPI, para fins de tratamento prioritário e estratégico por todos os órgãos do poder público. A lista atual contempla 185 projetos (imagem a seguir), além de 46 projetos de titularidade de estados e municípios que recebem o apoio para estruturação pelo Governo Federal.
A colheita do que foi plantado em termos de estruturação de projetos tem seu clímax nos leilões, os quais vêm se intensificando e gerando grande volume de contratação de investimentos, que serão executados nos anos próximos.
Nos sete primeiros meses de 2021 foram realizados 42 leilões, entre aeroportos, portos, ferrovia, rodovias, terminal pesqueiro, florestas nacionais para visitação, geração e transmissão de energia elétrica, mineração e concessão de serviços de saneamento no Rio de Janeiro, este último com apoio para estruturação pelo BNDES. Contabiliza-se a contratação de R$ 55,4 bilhões de investimentos, a serem executados ao longo dos prazos dos contratos, e R$ 26,8 bilhões em outorgas.
Em janeiro de 2021 foi licitado o primeiro Terminal Pesqueiro Público, localizado em Cabedelo, na Paraíba. Após estar fechado desde 2012, quando os investimentos públicos foram feitos, a concessão permitirá que o setor privado execute os investimentos necessários para colocar em disponibilidade infraestrutura para os pescadores artesanais, com ganhos na qualidade fitossanitária e de acesso a mercados. Estima-se aumento de renda e de qualidade de vida para mais de 1.000 famílias da região, de forma direta e indireta. Outros sete terminais pesqueiros públicos estão em estruturação para licitação ainda no ano de 2021.
O mês de abril de 2021 se mostrou especialmente interessante em licitações, e ficou conhecido como “Infra Month”. No dia 7 de abril, a ANAC realizou o leilão de 22 aeroportos, processo que vai gerar arrecadação de R$ 3,3 bilhões à vista para o Governo Federal, além de outorga variável ao longo do período de contrato. Apesar dos desafios e incertezas trazidos pela pandemia ao setor, a 6ª Rodada de Concessões de Aeroportos contou com a concorrência de sete grupos habilitados – quatro deles estrangeiros – o que demonstra o interesse dos agentes privados pelo mercado de aviação brasileiro. Esses contratos vão injetar investimentos de R$ 6,1 bilhões ao longo da concessão, o que vai transformar esses aeroportos e melhorar a nossa competitividade.
Como evidência do crescimento no ritmo de execução dos projetos, apenas a 6ª rodada de aeroportos inclui quantitativo de aeroportos igual ao número total de aeroportos que já foi leiloado pela União desde a primeira rodada de concessões (22 aeroportos).
No dia seguinte, em 08 de abril, foi realizado o leilão para concessão do Trecho I da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), na Bahia, projeto decisivo para escoar a produção de minério de ferro e grãos do interior do estado para o Porto de Ilhéus e Porto Sul. A vencedora, Bahia Mineração S/A, deverá investir cerca de R$ 3,3 bilhões para a entrada em operação da ferrovia, além de realizar pagamentos variáveis e outros investimentos durante o contrato, que tem duração prevista de 35 anos.
Para efeito de comparação, nos últimos 25 anos foram licitados 3 contratos de concessão de ferrovias, sendo um em março de 2019 (Ferrovia Norte Sul – Tramo Central) e agora a FIOL em 2021. Em estágios adiantados, há o projeto da Ferrogrão, ferrovia totalmente greenfield, a ser construída no trecho entre Sinop (MT) e Mirituba (PA), como importante elo para o escoamento da produção agrícola do país.
No dia 9 de abril, cinco terminais portuários foram leiloados, quatro deles localizados no Porto de Itaqui, no Maranhão, e um no Porto de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Os investimentos nos cinco terminais totalizam mais de R$ 610 milhões, com estimativa de geração de mais de nove mil empregos.
O ritmo no setor de portos destoa totalmente do histórico, conforme se depreende da quantidade de licitações de arredamentos e das desestatizações em curso. Entre 2019 e maio de 2021 foram licitados 31 arrendamentos portuários, número igual ao que se executou na soma dos 15 anos anteriores. Em paralelo, estão sendo executadas as etapas para as primeiras desestatizações de portos públicos, inicialmente com a Companhia Docas do Espírito Santo, responsável pelos Portos de Vitória e Barra do Riacho, e já na sequência o Porto de Santos e São Sebastião, no Estado de São Paulo. Também está em fase de estruturação a licitação do Porto de Itajaí (SC) e os portos operados pela Companhia Docas da Bahia: portos de Salvador, Aratu e Ilhéus.
No dia 29 de abril, o Governo Federal realizou o primeiro leilão de uma rodovia no modelo híbrido, que combina a menor tarifa de pedágio com o maior valor de outorga e teve como vencedor o Consórcio liderado pela Ecorodovias. Mais de R$ 14 bilhões deverão ser investidos nos trechos da BR-153/080/414/GO/TO ao longo do prazo de concessão, trazendo melhorias que incluem a duplicação de parte da via.
O critério híbrido de julgamento de melhor proposta foi adotado com o objetivo de evitar que o investidor, em uma percepção excessivamente otimista a respeito do projeto, apresente lance que inviabiliza a prestação futura do serviço (overbidding), como pode ocorrer no caso de disputas exclusivas pelo critério de menor tarifa. Assim, o critério híbrido, ao estabelecer um limite para a redução na tarifa e exigência de pagamento de outorga upfront (prévio à assinatura do contrato e, portanto, um custo afundado), é uma forma de proteger o fluxo de caixa das concessões e assegurar incentivos econômicos alinhados para a prestação adequada do serviço e cumprimento das obrigações contratuais.
Cabe aqui detalhar especial esforço em preparar um projeto que fosse viável e resiliente. Foram incorporadas diversas inovações para fins de mitigação de riscos cambiais e de receita tarifária. Visando incentivar a realização dos investimentos em duplicação, o contrato prevê tarifas diferenciadas para pista simples e pista dupla e o procedimento de reclassificação tarifária, a ser acionado quando a concessionária concluir a duplicação de trechos da rodovia.
O contrato da BR-153/080/414/GO/TO também prevê 2 tipos de desconto para os usuários da rodovia. O desconto para usuários de TAG consiste em um desconto de 5% na tarifa de pedágio para usuários que utilizem meios de pagamento eletrônico e identificação automática de veículos, o que reduz o custo da cobrança ao mesmo tempo que desafoga o tráfego nas praças de pedágio. Já o desconto de usuário frequente consiste na redução progressiva da tarifa de pedágio cobrada do usuário frequente até a trigésima viagem realizada dentro do mesmo mês.
Para proteger o fluxo de caixa da concessão nos ciclos de investimento e mitigar o risco de demanda foi criado o mecanismo de compartilhamento de risco de receita. Para cada ano dos ciclos de investimento, foram estabelecidos valores mínimos e máximos da receita acumulada até o ano anterior de concessão. Se a receita real for inferior à receita mínima prevista, os valores acumulados na conta de ajuste são transferidos para a concessionária. Por outro lado, se a receita real for superior à receita máxima prevista, a concessionária transfere o valor correspondente para a conta de ajuste. O mecanismo só pode ser acionado caso a concessionária tenha concluído pelo menos 90% das obras de ampliação de capacidade e melhorias até o ano em avaliação.
A discussão sobre compartilhamento de risco de demanda em projetos no setor de transporte vem ganhando atenção entre gestores e estudiosos do assunto. As recomendações de boas práticas para alocação de riscos apontam que o risco deve ser alocado a quem tem melhor condição de: i) controlar a sua ocorrência, ii) controlar o impacto do evento, caso aconteça e iii) absorver o impacto ao menor custo. A experiência recente de concessões de transportes no Brasil aponta que alocar todo o risco de demanda ao concessionário pode ser inviável, dada a dificuldade financeira de absorção total do impacto de eventos negativos nos projetos. É o que se verifica em diversos projetos no setor de rodovias e aeroportos licitados pouco antes da crise econômica do biênio 2015/2016. Nesse sentido, há mecanismos sendo construídos para operar adequadamente o compartilhamento de tal risco, como o mecanismo de contas vinculadas, a seguir explicado, e o ajuste automático do prazo do contrato em concessões no Chile .
A volatilidade cambial no Brasil tornou importante introduzir mecanismo de proteção cambial que permitisse atrair recursos externos para investimento em infraestrutura no país. Introduziu-se, portanto, um sistema de compartilhamento de risco cambial no caso da utilização de instrumentos de financiamento em moeda estrangeira firmados nos primeiros cinco anos de concessão, sendo aplicável apenas ao financiamento de investimentos em bens reversíveis. O mecanismo é aplicável sobre o principal do financiamento, não cobrindo os juros. A concessionária tem 12 meses, a partir do início do contrato, para ativá-lo.
Para permitir a compensação de eventos relacionados a esses riscos, é previsto o “mecanismo de contas” que é um conjunto de contas relacionadas ao contrato, incluindo a “conta centralizadora”, as “contas da concessão” (“conta de ajuste” e “conta de retenção”), a “conta de livre movimentação”, além da “conta de aporte”. Esse mecanismo de contas permite o acúmulo de valores a serem depositados pela concessionária em contas bancárias específicas, formando uma reserva de contingência destinada a possíveis eventos de compensação. A mitigação de riscos reduz o espaço para a tentativa de renegociações do contrato durante o longo prazo da concessão.
O contrato da rodovia BR-153/080/414/GO/TO também prevê a possibilidade de assinatura de Acordo Tripartite entre concessionária, financiadores e ANTT, com vistas a tornar o projeto mais atrativo para os agentes financiadores. Foram incorporadas, também, melhorias nas cláusulas de resolução de controvérsias (possibilitando o emprego de autocomposição de conflitos, arbitragem ou dispute board) e nas cláusulas relativas à extinção antecipada da concessão, dando mais segurança e previsibilidade ao investidor.
As inovações trazidas para o contrato da BR-153/080/414/GO/TO buscam trazer maior segurança no fluxo de caixa da concessão e garantir a prestação adequada do serviço, evitando frustrações já verificadas no passado. Elas são uma demonstração não só do esforço de se estruturar uma carteira desafiadora de projetos de desestatização, mas também de se evoluir com a adoção de melhores práticas regulatórias, atraindo mais competidores para os leilões.
Ainda no “inframonth” de abril de 2021, no dia 30, os resultados vieram em dose dupla em outros setores: por um lado, o mais importante leilão de saneamento do Brasil foi realizado, com a concessão dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário no estado do Rio de Janeiro. Estruturada pelo BNDES, a iniciativa recebeu apoio do Governo Federal e vai beneficiar 12 milhões de pessoas, gerar mais de 40 mil empregos e investimentos de mais de R$ 27 bilhões durante os 35 anos de contrato.
Por outro lado, foi realizado leilão de energia para os chamados “Sistemas Isolados”, visando contratar energia para 23 localidades na região Norte do país, envolvendo investimentos de mais de R$ 355 milhões. Essa iniciativa permitirá à Aneel melhorar a confiabilidade do fornecimento de energia elétrica, um bem fundamental para a vida das pessoas e a economia do país. Um aspecto muito positivo foi o fato de que mais da metade dos projetos vencedores utilizarão biocombustíveis como fonte, contribuindo para que a matriz energética brasileira continue a ser uma das mais ambientalmente responsáveis em todo o mundo.
O primeiro semestre de 2021 encerrou com leilões exitosos no setor elétrico (transmissão de energia e contratação de energia existente), setor de rodovias, com o segundo projeto licitado em 2021: BR-163/230/MT/PA, com cerca de R$2 bilhões de investimentos contratados, e no setor de parques com a concorrência para a flona de Canela no Rio Grande do Sul.
A estruturação de parcerias com o setor privado está se expandindo para diversos setores antes nunca explorados. Com o bom andamento dos contratos já leiloados, gera-se o otimismo de que os investimentos estão acelerados e será possível entregar serviços de melhor qualidade aos usuários. Dessa forma, os líderes públicos estão buscando apoio para a estruturação de projetos para concessões em ampla gama de setores, como para gestão de imóveis de valor histórico e cultural (concessões de uso de bem público), projetos de irrigação e produção agrícola, gestão de armazéns, parques nacionais para visitação, florestas para exploração sustentável, terminais pesqueiros, creches, hospitais, presídios, dentre outros.
Na esfera de serviços de titularidade de estados e municípios, o potencial a ser explorado é gigantesco, com espaço para ganhos de eficiência e melhor prestação dos serviços ou gestão do bem público, o que demanda vontade de fazer e capacidade de execução.
São enormes os desafios, mas também as oportunidades de estruturação de concessões no Brasil. Os avanços até aqui verificados são a prova de que apostar na atração de investimentos privados para a ampliação da oferta e da qualidade da infraestrutura é o caminho correto para o País.
* Martha Seillier é secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia
** Thiago Caldeira é consultor legislativo da Câmara dos Deputados e professor do mestrado em Economia do IDP-DF.