Dependência de importações vem prejudicando a imunização no Brasil
Por Roberto Macedo
O panorama da vacinação contra a Covid-19 no País é claramente insatisfatório e lamentável. Faltam muitas vacinas, o Brasil não se preveniu para comprá-las em meados do segundo semestre do ano passado, com destaque para a recusa das fabricadas pela Pfizer. Depois veio a segunda e mais forte onda da pandemia e a dificuldade de aquisição foi muitíssimo agravada. É preciso implorar aos fabricantes, a governos de outros países e a instituições internacionais, mas não há como atender rápida e satisfatoriamente à demanda de um país tão grande e populoso como o Brasil.
A Fiocruz e o Instituto Butantan vêm fazendo grande esforço para ampliar sua produção, mas esbarram numa dificuldade paralela: a também escassa disponibilidade do IFA, o insumo farmacêutico ativo, principal ingrediente das vacinas, não produzido no Brasil, que vem da China. Juntamente com as vacinas, tem altos custos de transporte aéreo. Tanto a Fiocruz como o Butantan estão construindo novas plantas para produzir o IFA, mas isso toma um tempo que mantém o atual caminho definido por séria escassez de vacinas e muitas mortes.
Por essas e outras razões apresentadas mais à frente, esse quadro de muitas dificuldades aponta na direção de que o Brasil, além de produzir o IFA para as duas vacinas oferecidas pelas instituições citadas, apoie mais iniciativas de fabricar imunizantes totalmente nacionais, na sua concepção e nos insumos utilizados, e também mais voltadas para variantes surgidas no País ou aqui mais atuantes. Segundo Januario Montone, consultor de projetos na área de saúde, é provável que a pandemia tenha vindo para ficar e, mesmo se aliviada, poderá exigir revacinação periódica. E podem surgir outros vírus.
Fiocruz e Butantan desenvolvem suas próprias vacinas, a Butanvac no segundo caso, e são iniciativas dignas de apoio, dada a competência dessas duas instituições. Vou me referir a outras iniciativas, menos conhecidas, que também parecem merecedoras de apoio.
A Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto tem um projeto que seria apoiado pelo governo federal. A vacina já tem até nome, Versamune, e o ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia e Inovação, anunciou-a como 100% brasileira. Na lei do orçamento federal de 2021, aprovada pelo Congresso Nacional, receberia R$ 200 milhões, mas foram vetados pelo presidente Bolsonaro ao sancionar a lei. Esta teve de abrir mais espaço para as abjetas emendas parlamentares, cujos projetos não têm, de longe, a mesma prioridade das vacinas.
Conforme O Estado de S. Paulo de 27 de abril, a Universidade Federal do Paraná também desenvolve sua própria vacina, que está em fase de testes. Recebeu apoio do governo do mesmo Estado, que investiu R$ 700 mil nas pesquisas, mais R$ 250 mil em bolsas para doutorandos ligados ao projeto. Esse primeiro valor não será suficiente para toda a fase de testes e outros custos envolvidos.
Outro projeto é o da Universidade Federal de Minas Gerais, a prefeitura de Belo Horizonte decidiu financiá-lo, investindo cerca de R$ 30 milhões na produção do imunizante, que serão usados para o teste de sua segunda fase. Mas também aí serão necessários recursos para a terceira fase e outros custos envolvidos.
Esses valores são muito díspares e não tenho condições de avaliar as efetivas necessidades, o que deveria ser parte do processo de apoiá-las. E há outros projetos em andamento. Segundo o jornal O Globo de sábado passado, conforme informação do Ministério da Saúde, o País tem hoje ao menos 17 vacinas contra a Covid-19 em estudo, mas a reportagem não teve acesso à lista delas. Creio que o setor público não deve apoiar todas, e para evitar politicagens deveria criar uma comissão de alto nível, inclusive ético, para selecionar algumas para apoio.
Cabe também pensar em parcerias entre esses projetos e com o setor privado, que, além da parte de gestão e tecnologia, poderia ajudar também em áreas como a do marketing, até mesmo pensando em exportar após atendidas as necessidades nacionais. Segundo Edward Luce, jornalista do Financial Times, em artigo no jornal Valor de sexta-feira passada, as vacinas Pfizer e Moderna receberam recursos para pesquisas, do governo dos Estados Unidos.
Olhando ainda mais à frente, pode-se pensar ainda num programa de ajuda a países muito pobres e pequenos, para vários dos quais as vacinas hoje não passam de uma miragem, o que poderia também ajudar a melhorar a imagem internacional do Brasil, que está péssima.
Em síntese, nosso país está sendo atropelado pela pandemia, o governo federal está mais voltado para CPI do Senado e, no caso das vacinas, bate cabeça para corrigir seus gravíssimos erros. Mas é bom saber que dentro e fora dele há iniciativas que, se adequadamente incentivadas, poderão superar a dependência do Brasil das indústrias farmacêuticas de outros países. Os depósitos e prateleiras dessas indústrias não estão em condições de atender a todos os que as procuram.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de maio de 2021.