A expectativa dessa taxa de 3,2% vem mais da forte queda do PIB em 2020
Por Roberto Macedo
Esse forte contraste se explica por que, ao olhar para o produto interno bruto (PIB) de 2021, o mercado está muito influenciado pela taxa a ser anunciada pelo IBGE no início de 2022, prevista como muito alta pelo andar recente da economia, e muito mais impactada pela forte queda da economia em 2020 do que pelo desempenho da economia em 2021. Essa previsão de 3,2% acompanha procedimentos estatísticos adotados pelo IBGE ao medir as variações do PIB, conforme explicarei em seguida, pedindo ao leitor desculpas por recorrer a algumas tecnicalidades que tentarei minimizar.
Recorde-se que o PIB teve em 2020 um movimento na forma de um V incompleto na sua haste direita, caindo fortemente com a pandemia da Covid-19 a partir de meados de março e até o segundo trimestre. Depois o PIB passou a crescer, mas sem superar a queda anterior, levando a uma redução de 4,1% no ano. Como o IBGE chegou a esse valor? É como se calculasse a variação média trimestral do PIB ao longo de um ano, por meio de um índice, e a comparasse com a do ano anterior.
Resolvi conferir essa taxa de 4,1% com base no último relatório do PIB trimestral do IBGE, divulgado em 3 de março e, nele, a Série Encadeada do Índice de Volume Trimestral (Média de 1995=100). Tomei as médias dos quatro índices trimestrais de 2020 e 2019 e, dividindo a primeira média pela segunda, o resultado levou a essa queda de 4,1% em 2020.
Noutro exercício, tomei o valor do mesmo índice no último trimestre de 2020 e, supondo para o PIB um crescimento nulo em 2021, esse valor seria o mesmo nos quatro trimestres. E dividindo-o pela média de 2020 encontrei qual seria a taxa de crescimento da economia em 2021, se medida pelo IBGE com essas informações, chegando à taxa de 3,8%. Ou seja, com crescimento zero do PIB, o resultado do IBGE em 2021 seria esse.
O Boletim Focus, do Banco Central (BC), divulgado no último dia 15, que mostra as expectativas dos analistas do mercado com relação a vários indicadores, prevê que esse crescimento será de 3,2%, e abaixo do valor a que cheguei, sugerindo que, além de não crescer, o PIB teria uma pequena queda em 2021 na previsão desses analistas.
Ambas as previsões são altas porque em 2020 o valor do PIB caiu bastante, fazendo com que a taxa do PIB de 2021 a ser calculada IBGE tenha um viés de alta independentemente do que acontecer neste ano. Esse viés é chamado de carry over na literatura internacional sobre o assunto, um carregamento transferido de um espaço para outro ou, no tempo, de um para outro período, como no caso sob exame.
Alguém errou nessa história? Não, é uma questão de critério. O IBGE trabalha com essa média trimestral dentro de um ano relativamente à do anterior; outro seria calcular a variação do PIB comparando o valor alcançado em dezembro de 2021 com o verificado de dezembro de 2020. E mais um critério foi o procedimento que adotei acima, de zerar o crescimento em 2021, baseado em outras avaliações que economistas fazem da economia neste ano, independentemente do que aconteceu no ano passado. Entendo que o IBGE está correto, pois é melhor trabalhar com as médias dentro de cada ano comparado. A distorção do carregamento de 2020 para 2021 foi um caso excepcional. O desempenho usual do PIB é de crescimento, e não de queda, e muito menos tão forte como a do ano passado.
Olhando à frente em 2021, o quadro é desalentador. Como foi visto acima, a própria previsão do Boletim Focus, do BC, embute pequena variação negativa do PIB. De fato, ainda sem completar uma efetiva recuperação em V, os dados mais recentes levaram vários economistas a prever até um desempenho negativo do PIB já nos dois primeiros trimestres do ano, percepção que se agravou com a piora da pandemia imposta pela Covid-19. Em matéria de meia página (B3), ontem, este jornal entrevistou vários economistas e assim resumiu o resultado: “País está na contramão do resto do mundo, onde projeções para a atividade sobem; no Brasil, previsão é de queda com inflação em alta”.
Nesse contexto, ganhou surpresa o resultado de um aumento do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (|IBC-Br) à taxa de um 1% em janeiro, mas isso foi visto como um ponto fora da curva, pois a economia deve ter mostrado menos ímpeto em fevereiro e deve piorar, avançando no negativo, a partir do mês atual.
Com o contágio e as mortes pela Covid-19 batendo novos recordes desde meados de fevereiro, as reforçadas medidas de isolamento recém-adotadas devem impor novas perdas principalmente ao comércio e ao setor de serviços, o mais importante da economia, com o que ela sofrerá bastante. A vacinação está atrasada e insuficiente, ainda sem efeitos sensíveis no controle da pandemia, com a contaminação pela Covid-19 avançando mais rápido do que a vacinação. Ela veio escassa com o grande descaso do governo em planejá-la, ainda em meados no ano passado, e rapidamente adquirir as vacinas necessárias para a imunização em massa da população.
Deu no que deu.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de março de 2021.