PIX – potencial motor de inclusão financeira no Brasil
Por Carlos Ragazzo e Bruna Cataldo
O problema da exclusão financeira é global: o relatório mais recente do Banco Mundial sobre o tema indica que 1.7 bilhão de adultos não possuíam contas bancárias em 2017, problema mais concentrado em países de renda média e pobres. Apesar de o número materializar o tamanho do problema para o desenvolvimento social, o mesmo relatório faz o diagnóstico de que o movimento de inclusão financeira no cenário internacional acelerou desde 2014, com o aumento do uso de telefones celulares e internet em diversas regiões, inclusive pelas camadas mais pobres. O processo avançou nos 3 anos desde o lançamento do relatório e a digitalização e implementação de pagamentos instantâneos promoveram inclusão financeira em larga escala em países como Índia, China e Tailândia.
O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente com 45 milhões de desbancarizados e este ensaio busca argumentar que o caminho tradicional de induzir participação no ecossistema financeiro por meio de contas bancárias é excludente e tem barreiras de difícil transposição: é no mercado de pagamentos – principalmente por suas inovações digitais – que está o potencial de inclusão desses brasileiros. As recentes mudanças no país – tanto em termos de regulação com o Open Banking e a criação do PIX, quanto de aceleração da digitalização da população – apontam um caminho promissor, ainda que com desafios.
Desbancarização X Avanço digital
Exclusão Bancária: Problema na Oferta de Produtos Financeiros
No Brasil, são justamente as pessoas em situação de vulnerabilidade que possuem maior dificuldade de participar do sistema financeiro. Esse ponto fica claro a partir do perfil desses 45 milhões que estão excluídos do sistema bancário tradicional: 59% são mulheres, 69% negros, 86% pertencem às classes C, D e E, 39% são do Nordeste (39%) e 58% ou não possui escolaridade, ou estudou apenas até o ensino fundamental. Uma indicação de que a conta bancária é um obstáculo maior do que a efetiva participação no ecossistema financeiro em si é que 12% dessas pessoas têm cartão de crédito, apesar de não terem conta em banco, inclusive possuindo mais de um em parte dos casos. Mais forte ainda é o dado de que 75% evita recorrer a bancos sempre que possível, alegando, como motivo mencionado com mais frequência, a falta de confiança (49%). Existem também outros motivos importantes, como a falta de dinheiro (31%) e a preferência por dinheiro em espécie (29%), que devem ser levados em conta em estratégias de inclusão.
Adiciona-se a esse contexto uma realidade do mercado de trabalho brasileiro para a qual o formato dos produtos oferecidos pelos bancos nem sempre é adequado: a forte presença de informalidade. No estudo do Banco Mundial, fica claro que a maioria dos brasileiros que recebem salário e transferências do governo o fazem por meio de uma conta bancária ou digital. Mas o cenário muda ao olhar para os informais: são largamente remunerados apenas em dinheiro. Isso é relevante, dado que 36,9% da população ocupada se encontrava nessa situação em agosto deste ano, um número absoluto próximo de 31 milhões de pessoas. Para esses brasileiros, as altas tarifas bancárias, a falta de previsibilidade na renda, a relação com redes informais de fornecedores e a morosidade da burocracia, dentre outros motivos, tornam pouco atrativo o formato da conta bancária.
E essas pessoas, apesar de estarem fazendo transações por fora do sistema bancário, movimentam grande quantia de dinheiro: R$ 817 bilhões todo ano. Trazê-las para o ecossistema financeiro levaria ao consumo de uma variedade maior de produtos, representando um ganho para todos os agentes envolvidos. A estratégia que parece ter tração para impulsionar esse movimento é mudar o foco para induzir as pessoas a utilizar as inovações que o mercado de pagamento tem oferecido ao invés de trazê-las necessariamente para os bancos de forma tradicional pelo produto “conta bancária”.
Smartphones – Infraestrutura Digital para Inclusão Financeira
Se teve um ponto que a pandemia escancarou sobre a realidade do Brasil é que o país ainda não está preparado para um mundo majoritariamente digital. Dificuldades em transferência para teletrabalho, em adequação de processos governamentais e na oferta de serviços públicos ficaram evidentes. Desigualdade no acesso a computadores e internet estável para atividades educacionais remotas se tornaram o centro do debate dos especialistas em educação. Então como argumentar que é justamente através de produtos digitais que a parcela mais vulnerável será incluída ao sistema financeiro?
Embora não se possa afirmar que o país é digitalmente democratizado, existem áreas específicas em que o processo avançou com bastante força. Os smartphones representam bem a falta de homogeneidade no acesso ao mundo digital no Brasil: o país tem 234 milhões aparelhos, com um aumento de 10 milhões desde 2018. Esse valor representa mais de 1 aparelho per capita. No ano de 2018, 79,3% dos brasileiros tinham celular próprio, sendo que este foi o meio digital que mais adentrou domicílios de renda mais baixa: o rendimento médio per capita daqueles para quem o celular era a principal fonte de acesso à internet era pouco mais de 1,5 salário mínimo, quase metade em comparação a quem acessava por tablets/televisão. Também foi evidenciado que 16,6% dos que não têm celular próprio alegam não comprar um por usar o de outra pessoa.
Isso indica que o caminho mais natural e fácil para inclusão financeira daqueles para quem o digital já é realidade de alguma forma é o smartphone. E é justamente por meio dele que as inovações do mercado de pagamentos vêm ocorrendo, sobretudo a partir da popularização das carteiras digitais: o Brasil é único país da América Latina em que todos os principais operadores internacionais estão presentes. As carteiras digitais são aplicativos que podem ser instalados em smartphones que permitem a realização de pagamentos online ou presenciais, exigindo somente a inclusão de saldo na conta por meio de um boleto ou cadastro de um cartão. O pagamento é feito por aproximação ou QR Code. Estima-se que devem representar 28% do mercado de pagamentos até 2022 e que 61% dos brasileiros dos grupos sociais A, B e C com smartphones são usuários recorrentes, alegando a confirmação instantânea e a praticidade como vantagens.
O crescimento da utilização das carteiras digitais foi pronunciado no Brasil – 65%, frente 40% no mundo – e 75% da população relatou desejar fazer pagamentos em tempo real independente do provedor do serviço com 53% demonstrando interesse em fazê-lo através de aplicativos. Também houve um crescimento de 37% nas pesquisas sobre o tema no Google. Os dados indicam interesse da população, apesar da falta de investigação específica para a camada mais pobre. De qualquer forma, a capacidade de smartphones e aplicativos criarem capilaridade para ela é relevante, considerando a possibilidade de depositar valores no app por meio de boleto, não sendo necessária uma conta no banco. Como o meio de pagamento de preferência do desbancarizado é o dinheiro, a possibilidade de usar um serviço digital em que ele apenas passe seu dinheiro para um aplicativo sem associação a uma conta pode ser atrativo e de mais fácil adesão.
Algumas barreiras seguem existindo, no entanto: em 2019, 22.7% dos usuários de internet afirmaram que não fazem pagamentos por smartphone em lojas físicas por preferirem dinheiro e 32.4% dos usuários estavam familiarizados com o conceito de carteiras digitais, mas nunca usaram. Um possível incentivo para a superação desses obstáculos é a adoção de carteiras digitais como meio de pagamento em serviços do cotidiano como mobilidade urbana e aplicativos de entrega, com alguns já adotando o método. Esse tipo de nudge para induzir o usuário à utilização e superação de desconfianças é mais facilmente desenhado para meios de pagamentos que do que para contas bancárias.
Um exemplo prático dessas nuances do processo de digitalização dos pagamentos foi trazido pela pandemia de Covid-19. A necessidade de implementar auxílios governamentais e fazê-los chegar à população forçou o governo – por intermédio da Caixa Econômica – a acelerar processos de digitalização. Foi feito um esforço de identificação das pessoas e para trazê-las para o sistema da Caixa de maneira digital. A experiência com a plataforma digital Caixa Tem teve resultados mistos que trazem para o caso concreto as questões apontadas. Em um período de 6 meses, foi possível digitalizar 64 milhões de pessoas – segundo o ministro da Economia Paulo Guedes – com a plataforma como um todo tendo alcançado mais de 100 milhões.
Todas essas pessoas se tornaram visíveis a um sistema e passaram a receber transferências governamentais por meios digitais em um período curtíssimo de tempo, demonstrando capacidade de alcance e viabilidade de realização, embora, naturalmente, ainda sejam necessárias estratégias de aprendizado e fidelização ao acesso digital. Também é importante apontar que o número apontado pelo ministro da Economia está relacionado à inscrição na plataforma digital. Não endereça, necessariamente, os 45 milhões de desbancarizados, uma vez que a transição para o digital engloba indivíduos que já participam do sistema, mas não de maneira digitalizada. O universo de pessoas a ser digitalizado, portanto, é maior que o de pessoas a serem bancarizadas. Pode-se entender os movimentos como etapas diferentes de um mesmo caminho, que podem ou não ser feitas concomitantemente.
Carteiras digitais e o caso do aplicativo Caixa Tem são apenas exemplos de inovação do mercado de pagamentos que podem ser operadas por meio de smartphones, mas evidenciam que há uma porta de entrada para o ecossistema financeiro por aqueles que até então estão à margem do sistema financeiro tradicional, ainda que com desafios pela frente. A ação coordenada do Banco Central vem induzindo o surgimento de alternativas, até mais promissoras, com destaque para a plataforma de pagamentos instantâneos: o PIX.
O Banco Central toma a frente
A agenda BC#: PIX como Veículo de Transformação Financeira
Desde 2019, o Banco Central vem desenvolvendo a Agenda BC#, um conjunto de ações coordenadas com a finalidade de promover a democratização financeira do país a partir de cinco dimensões: inclusão, competitividade, transparência, educação e sustentabilidade. Entende-se por democratização financeira a capacidade de manter os juros baixos de forma duradoura, provisão de serviços financeiros de melhor qualidade e acesso de todos ao sistema financeiro. Essas ações do Banco Central levaram o Brasil à fronteira do que está sendo debatido internacionalmente em termos de sistema financeiro, diferente de outros setores em que o debate chega ao Brasil com até décadas de atraso.
Dentre as diversas iniciativas da Agenda BC#, o destaque do momento é o sistema de pagamentos instantâneos, PIX, que está incluído no pilar de competitividade. Pagamentos instantâneos são definidos pelo Banco Central como transferências eletrônicas nas quais a ordem de pagamento e disponibilização dos fundos ao recebedor é feita em tempo real, estando também disponível 24 horas ao dia em todos os dias da semana ao longo de todo o ano. O processo é feito direto da conta do pagador para a do recebedor; portanto, sem intermediários. Dessa forma, há redução dos custos de transação.
Diversas ações têm sido anunciadas para potencializar a rápida adoção do PIX pela população brasileira: a primeira é a existência de uma marca única na figura do PIX para que os usuários identifiquem de forma clara e inequívoca essa alternativa de meio de pagamento. A ideia é que uma identidade visual facilite o entendimento do instrumento e, consequentemente, o seu uso. O BACEN também aposta nos nudges para incentivar a adesão: haverá a possibilidade de uso do PIX em recolhimentos à União. O mecanismo não servirá apenas para estimular a adesão, mas para melhorar a experiência dos usuários com esses serviços públicos. Além disso, os maiores agentes do mercado foram obrigados a aderir ao PIX enquanto serviço a fim de gerar mais alcance. Uma ação interessante foi a parceria com a Aneel para que consumidores paguem suas contas de luz com o PIX.
Embora tenha como objetivo imediato facilitar e tornar mais rápidas transações entre diferentes atores do sistema: indivíduos, governo, empresas, trazendo pressão competitiva e impactando potencialmente sobretudo o preço de tarifas bancárias, o PIX pode trazer benefícios para outros pilares da Agenda BC#, notadamente a possibilidade de inclusão financeira. É o reconhecimento de que existem hoje mais brasileiros com smartphones que desbancarizados que permite essa expectativa a partir da potencial adoção do PIX pelas camadas mais pobres da população, mais ainda ao se ter em mente que experiências de digitalização dos pagamentos (especialmente no formato instantâneo) no cenário internacional trouxeram resultados de inclusão financeira representativos.
A expectativa decorre da constatação de que a construção do sistema pelo Banco Central replica aspectos que induziram China, Índia e Tailândia ao sucesso. Os três possuem muitas especificidades e diferenças de políticas entre si, mas a inclusão financeira a partir do mercado de pagamentos está presente nos três. Eles viram a relação da população com pagamentos mudar em tempo recorde e com capilaridade para grupos socioeconômicos antes excluídos do sistema financeiro, cujas transações eram basicamente feitas com dinheiro e fora do sistema bancário. Para visualizar o potencial que os movimentos recentes do Banco Central têm de replicar tal fenômeno, é preciso olhar para como ele ocorreu nesses países em comparação aos passos que o Brasil está dando.
Os ensinamentos vindos da Ásia
A Revolução da UPI na Índia e o Promptpay na Tailândia
A Índia é um benchmarking relevante, pois o mecanismo de indução de inclusão foi semelhante ao PIX: uma infraestrutura de pagamentos instantâneos desenhado e coordenado pela autoridade regulatória. Os resultados foram revolucionários. O Banco Mundial estimava que levaria 50 anos para que a Índia bancarizasse pelo menos 80% da população no ritmo em que estava. Após a adoção do UPI (Unified Payments Interface) em 2016, equivalente indiano do PIX, a meta foi alcançada em 2018.
A UPI foi uma iniciativa do RBI (Reserve Bank of India) que, na ocasião do lançamento, operava USD 10 milhões mensais e, no início de 2020, já havia alcançado USD 1 bilhão mensal. Essa ação do Banco Central Indiano veio do diagnóstico que o país possuía excessiva exclusão financeira. Em 2011, somente 17% dos indianos tinham conta bancária. Segundo os representantes do RBI, a revolução de pagamentos do país dependeu da percepção da entidade que era necessário mudar o direcionamento do sistema de uma visão voltada para “baixo volume, alto valor e alto custo” para uma de “alto volume, baixo valor, baixo custo”. Para isso, seria necessária uma estratégia clara com players privados inovando a partir de uma infraestrutura pública com a criação de compensações que seriam equilibradas pelo design da política em áreas habituais de conflito como: regulamentação e inovação; privacidade e personalização; e facilidade de uso e prevenção de fraude. A partir dessa mentalidade, o RBI criou a UPI com base em uma estrutura de interoperabilidade entre todas as fontes e destinatários de fundos, que são liquidados instantaneamente, e quebra de monopólios de dados.
No mesmo caminho, mas de conhecimento e alcance mais modestos, há o caso da Tailândia e seu programa PromptPay, sistema de pagamentos instantâneos que permite que pessoas registradas façam transferência por meio de smartphones usando apenas o número do celular ou de identidade do destinatário como informação. O programa também tem mostrado sucesso e tem parte de seu desenho emulado no PIX brasileiro, notadamente a possibilidade de uso para receber pagamentos do governo como benefícios de seguridade social, aposentadorias e restituições; e a funcionalidade de carteira digital para que os cidadãos não precisem mais de uma conta bancária
O projeto foi considerado ambicioso, uma vez que a cultura de pagamentos tailandesa era quase universalmente pautada em dinheiro: em 2010, mais de 97% dos pagamentos de varejo eram feitos em cash. A infraestrutura de pagamentos instantâneos da PromptPay, no entanto, tem permitido a milhões de tailandeses maior velocidade de pagamentos, ao mesmo tempo em que construiu um ambiente adequado para que bancos e outros provedores ofereçam novos produtos e serviços financeiros, gerando competitividade. Muitos dos produtos estimulados, inclusive, estão concentrados no acesso de indivíduos e empresas com histórico de exclusão financeira. O serviço está em expansão e, em 2018, a adesão já chegava à metade da população. Considerando que se espera que um sistema de pagamentos instantâneos potencialize e aumente a oferta de novos serviços financeiros a partir do mercado de pagamentos, os casos da Índia e Tailândia são complementares ao terceiro que será apresentado: a China e seu império de pagamentos.
Diversificação na oferta de serviços financeiros: o império chinês
A ideia aqui apresentada e que motivou os Bancos Centrais brasileiro, indiano e tailandês a apostar nas políticas de pagamento instantâneo foi a de que é possível criar um ciclo virtuoso de acesso a serviços financeiros cada vez mais personalizados e complexos independente de condição socioeconômica, a partir do mercado de pagamentos.
Na China, apesar de o ponto de partida não ter sido a criação de uma plataforma governamental de pagamentos instantâneos como nos outros casos, os serviços de pagamentos digitais por celular cresceram exponencialmente em um processo muito associado às grandes fintechs. Em 2011, apenas 3.5% dos pagamentos do país eram feitos por smartphones. Em 2018, esse valor havia subido para 83%. O crescimento de transações foi de 73.6% entre 2018 e 2019. Nas áreas urbanas, 92% dos pagamentos são via smartphone. Para zonas rurais a proporção é bem menor: 47%, com a probabilidade de o problema não ser mais a presença do digital sem uso das inovações em pagamentos, mas a falta de inserção no digital. O Brasil ainda está no primeiro passo.
Fato é que a China é considerada hoje o grande caso de país caminhando para ser uma cashless society, ou seja, o exemplo de redução do uso do papel moeda com praticamente universalização do acesso ao sistema financeiro digital através de plataforma de pagamento on line. O que chama atenção no caso Chinês, no entanto, foi a construção de uma grande diversificação de produtos financeiros ofertados via canais digitais após a expansão da rede de usuários das plataformas inicialmente focada em pagamento.
O processo começou com a ANT, dona da Alipay, criada em 2014 e que cresceu a partir da criação de plataformas de pagamento online desenvolvida para ampliar acesso e dar segurança ao e-commerce. Na sequência, a empresa desenvolveu uma estratégia de diversificação dos produtos ofertados para criar um ecossistema de serviços financeiros a partir do mercado de pagamentos. Hoje, a empresa atua no mercado de crédito, na administração de um fundo de mercado monetário que já se tornou um dos maiores do mundo e na análise de riscos de crédito a partir da grande quantidade de dados produzidas sobre padrão de consumo e crédito dos consumidores. Em 2019, entrou no mercado de seguros com um produto para saúde. A rede de produtos gerou recordes de resultados para a empresa: ela reportou um lucro de USD 3.2 bilhões no primeiro semestre de 2019, um crescimento de mais de 1.000% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Esses resultados da empresa, no entanto, não representaram apenas benefícios aos seus acionistas. Os serviços de pagamentos disponibilizados alcançam quase a totalidade da população adulta chinesa, com o dinheiro tendo se tornado praticamente obsoleto em transações do dia-a-dia independente do recorte socioeconômico. A partir dos serviços de pagamento com o Alipay, essas pessoas hoje podem ter acesso a outros como seguros e crédito, a despeito da adesão ao sistema bancário e com produtos mais personalizados.
Assim como a Índia mostra o poder de inclusão financeira de um sistema de pagamentos instantâneo capitaneado por uma autoridade regulatória estruturada, com resultados representativos também na movimentação de dinheiro no mercado; e a Tailândia exemplifica que nudges podem trazer resultados bastante positivos na mudança de cultura de pagamentos pela população, a China evidencia o potencial do mercado de pagamentos na expansão da oferta de serviços financeiros e como estes podem se tornar praticamente de uso universal, caso a mentalidade de partida seja a promoção de acesso a tais serviços. Em análise mais aprofundada, seria possível identificar novos elementos e interseções, mas a título de exemplo e contribuição para a análise das frentes de atuação do PIX, a China mostra um exemplo das potencialidades do mercado de pagamentos não apenas para inclusão, mas também para a diversificação da oferta de serviços financeiros.
As três experiências citadas podem ser consideradas, portanto, benchmarks desse movimento de criação de inclusão financeira a partir do mercado de pagamentos, em que estruturas de digitalização e liquidação instantânea de pagamentos associadas à universalização de smartphones geram um ambiente de inovação, coordenação de interesses para equilíbrio do sistema e outras necessidades. Em particular, os três exemplos demonstram que o sistema de pagamentos pode ser um modelo de oferta mais adequado para a inclusão financeira, apresentando um caminho de entrada para não apenas a ampliação do acesso a camadas mais pobres da população, como também para a diversificação dos produtos financeiros que são disponibilizados à população em geral, com potenciais efeitos sobre o mercado de crédito, seguros, entre outros relacionados.
Carlos Ragazzo é professor da FGV Direito Rio. Mestre e doutor em Direito pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Presidente do Conselho Consultivo do Instituto Propague. Foi conselheiro e superintendente geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
Bruna Cataldo é mestre e doutoranda em Economia pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Pesquisadora associada ao Instituto Propague.