Reformas encalhadas, incerteza alta, economia sofre
O quadro não é nada animador. Então, espere o melhor e prepare-se para o pior
A situação da economia é para lá de lamentável. E não me refiro apenas a 2020, que deve fechar com queda do produto interno bruto (PIB) perto de 5% (!). O ano começou com dois trimestres consecutivos que reduziram o PIB em 12% (!), caracterizando nova recessão, conforme convenção entre os economistas, pela qual essa sequência marca o início de uma delas.
Tal recessão está inserida numa depressão, algo mais grave e de duração bem mais longa. Refiro-me ao buraco em que a economia entrou em 2015 e 2016, quando o PIB caiu 6,7% nesse biênio, e não se recuperou no triênio 2017-2019, quando cresceu apenas 3,8%. O ano de 2015 começou com uma recessão cujas profundidade e longa duração levaram a essa depressão, que se agravou ainda mais, e muito, com o péssimo desempenho de 2020, ao fim do qual completará seu sexto (!) aniversário.
E mais: desde os anos 1980 a economia está também em estagnação, período em que o crescimento do PIB fica abaixo do seu potencial. Cresceu nestas quatro últimas décadas à taxa média de 2,4% ao ano – 7,3% foi a média nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Com uma boa arrumação a economia brasileira poderia crescer bem mais, algo perto de 4% ao ano.
Em artigos neste espaço venho insistindo em apontar esse quadro de recessão, depressão e estagnação (RDE). Estaria chovendo no molhado? Não! Neste ano veio algo como um tsunami. E olhando a história desde 1980, o Brasil poderia ter crescido bem mais e se fortalecido para enfrentar essa onda tão destruidora. A partir do trimestre em andamento, a recessão será aliviada, mas ficaremos com D e E, as piores entre as três. Continuarei pregando isso com a talvez ingênua esperança de contribuir para que a sociedade brasileira e suas lideranças caiam na realidade e se empenhem muitíssimo mais na busca de soluções eficazes, de que o País é tão carente.
A propósito, como anda a tentativa de arrumação em andamento? Recorde-se que tinha como objetivo uma série de reformas cujo sucesso, na imaginação do ministro Paulo Guedes, aumentaria a confiança dos empresários e das famílias no futuro do País, estimulando-os investir e consumir mais, com o crescimento retomado, e mais forte.
Como ficaram essas reformas? A da Previdência veio com arranhões, mas foi um avanço diante das circunstâncias. Espero que venha outra, pois continua necessária. A trabalhista não foi deste governo, pois já estava na pauta de muitos congressistas. A PEC do “orçamento de guerra” foi aprovada, mas virá a guerra do orçamento, que abordarei mais à frente. A das privatizações foi até aqui um grande fiasco.
Várias outras reformas estão no Congresso e o cientista político Rogério Schmitt, consultor da Fundação Espaço Democrático e analista da Empower Consultoria, passou-me um relatório em que resume esse andamento: “A PEC (…) Emergencial, que institui uma ‘regra de ouro’ para os Estados federados, impedindo o endividamento público para o pagamento de despesas correntes, está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e já trocou duas vezes de relator. A PEC (…) da Revisão dos Fundos, e que propõe uma ampla reforma dos fundos públicos constitucionais e infraconstitucionais, pelo menos já foi remetida para o plenário, onde aguarda votação. A (…) PEC (…) do Pacto Federativo, que modifica a divisão de recursos entre União, Estados e municípios e que também flexibiliza a gestão orçamentária nos três níveis de governo (…), também continua parada na CCJ”.
Schmitt também acrescentou, sobre a reforma tributária, que une os impostos PIS e Cofins, que o projeto foi encaminhado com pedido de urgência, depois retirado, e até agora não foi criada a comissão que examinará o assunto. E a reforma administrativa ainda aguarda despacho da Mesa Diretora.
Como se percebe, o quadro das reformas não é nada animador. As eleições municipais se aproximam e tomam a atenção de parlamentares preocupados em apoiar candidatos que os ajudem a se reeleger em 2022.
Mas será inevitável arrumar pelo menos o Orçamento de 2021 e em torno disso há uma guerra orçamentária entre quem defende o teto de gastos e quem busca acomodar debaixo dele, ou sem ele, mais recursos para sustentar versão ampliada do Bolsa Família. A última proposta para essa versão ampliaria a dívida pública, adiando o pagamento de dívidas a credores, entre os quais se destacam pensionistas e aposentados do INSS, que na sua maioria podem não ser miseráveis, mas não são ricos. Certamente seria contestada judicialmente. E a proposta também tomaria recursos do Fundeb, para a educação básica em escolas públicas, cuja clientela é de famílias mais pobres.
Como dito acima, o quadro das reformas não é nada animador. E pode haver até uma deforma, como neste último caso. Conversando com Schmitt sobre essa situação, cheguei a este provérbio chinês: “Espere o melhor, prepare-se para o pior, e aceite o que vier”. Fico com as duas primeiras frases; a terceira, não.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 01 de outubro de 2020.