A ordem é: Simplificação Tributária, Reforma Administrativa e só depois Reforma Tributária
O sistema tributário brasileiro há muito tempo penaliza e onera o contribuinte além de comprometer o desenvolvimento econômico do país e, portanto, a sua modernização é necessária. Entretanto o contraponto ao atendimento dessa necessidade é procurar definir o tamanho do estado que é possível custar para construir o arcabouço tributário (as fontes) que dará sustentação a essa estrutura (usos).
O atual sistema tributário esgotou o seu tempo de existência, pois mais de 98% das empresas do país estão sob regimes tributários especiais ou próprios como o Simples ou Lucro Presumido. Esses regimes foram sendo criados como remendos para atenuar uma carga de tributos que inviabilizaria a maioria das empresas do país. Insistir em mais improvisações ou não levar em conta este problema tentando uma reforma nos moldes do que se está estudando, só nos levará ao aumento da informalidade e do desemprego. Quando a quase totalidade das empresas do país se encontra em regime especial, é porque algo está errado e o diagnóstico do problema deveria ficar mais claro: o estado ficou grande demais e não cabe mais no PIB. Para ser séria, a solução deve começar por trazer o Estado a um tamanho ideal, aquele tamanho útil em função das necessidades sociais para cumprir suas funções sem asfixiar o setor privado. Uma reforma tributária que não leve isso em conta é uma improvisação para atender a uma situação circunstancial ampliando a desorganização do tecido econômico, aumentando o desperdício dos recursos públicos e privilegiando a ineficiência, como se vem fazendo há décadas.
Essa é a conclusão mais ampla que se pode tirar das PEC’s 45 e 110 e do PL 3887. Não nos devemos iludir com os poucos pontos positivos que apresentam pois são o “canto da sereia” que ilude e esconde a consequente elevação de carga tributária, pois é ingenuidade imaginar nesta altura, com contas públicas destroçadas, qualquer hipótese de manutenção da atual receita.
Os projetos de reforma tributária que estão sendo discutidos sugerem períodos longos de transição, que acarretariam em maior complexidade ao sistema já burocrático. Para além disso, sua aplicação imediata é inviável e não solucionam os principais problemas, deixando de lado a avaliação de medidas que ensejariam uma simplificação imediata, através de ajustes infraconstitucionais que permitiriam: modernização, aumento de segurança jurídica e desburocratização das obrigações acessórias. As reformas propostas, no entanto, esbarram na impossibilidade política de aprovação além de inviabilizarem atividades econômicas exercidas por empresas de pequeno porte e do setor de serviços (70% da economia). Não é desejável, portanto, que sejam aprovadas as três propostas se comprovadamente impedem a recuperação das empresas, aumentam a burocracia, elevam a carga de impostos (pois não apresentam mecanismos que impeçam isso) e ainda impõem a convivência de dois regimes tributários simultâneos por longo tempo.
No momento em que o país passa por uma crise sem precedentes, decorrente da pandemia que, além de refletir em implicações à saúde pública, se colocou como desafio de sobrevivência para as empresas, qualquer sinal de aumento de arrecadação deve ser imediatamente rechaçado. A taxa de desemprego do País pode ultrapassar os 20% no final de 2020 e ao mesmo tempo as empresas sofrem para se manterem operacionais. Dados do comércio varejista nacional mostram, por exemplo, que o ano pode encerrar com perdas de pelo menos R$ 115 bilhões nas vendas. No setor de Serviços a situação é ainda pior, com muitas empresas dos setores de turismo e outros serviços, totalmente fragilizadas por uma queda de demanda que beira a total paralisia das atividades. É inaceitável que em face das circunstâncias se esteja desperdiçando um precioso tempo que deveria ser utilizado para reconstruir a economia e ajudar as empresas a se recuperarem em lugar de concentrar o debate político em princípios não testados e sem o suficiente estudo de efeitos que essas medidas podem gerar.
A volta do emprego e da renda só ocorrerá se as empresas se recuperarem e, por causa disso, todo o cuidado do governo deveria estar concentrado nesse tema.
Isso não quer dizer que não se deva fazer nada. Há boas propostas de simplificação tributária e com um potencial enorme de melhorar o sistema que aí está, sem criar incertezas ou aumento de impostos e, ao mesmo tempo, reduzir a burocracia e os custos de conformidade, aumentando a transparência e criando maior segurança jurídica ao contribuinte. Afinal, as reformas devem ser pensadas para servir ao Estado ou, para reversão dessa lógica, em prol da sociedade? O ideal, nesse momento, seria um trabalho em conjunto entre o Executivo e o Legislativo em torno de uma só proposta de simplificação tributária, que corrija as distorções do sistema, melhore o ambiente de negócios, gere empregos e promova o desenvolvimento econômico, enquanto se vai trabalhando numa reforma do Estado que reduza seu gigantismo, que é a causa original de todos os males.
Nesse sentido, existem projetos disponíveis, como alguns elaborados por expoentes do meio jurídico e econômico, caso do jurista Ives Gandra Martins, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio-SP, e Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. A Entidade elaborou e entregou ao Poder Público, no último ano, 11 anteprojetos e uma Proposta de Emenda Constitucional, conforme segue:
- Compensação universal de tributos
No âmbito de cada ente federativo (União, Estados e municípios), será possível a compensação tributária, inclusive a contribuição patronal previdenciária. O anteprojeto altera a Lei n.º 5.172, que instituiu o Código Tributário Nacional (CTN), acrescentando o art. 156-A. A medida é objetiva e de justiça social, pois se o contribuinte deve ao Estado, tem a obrigação de pagar e vice-versa, mas tal pagamento merece ser de forma ágil, breve e eficaz.
- Equivalência entre os encargos aplicáveis às restituições e aos ressarcimentos
A proposta altera o CTN e busca estabelecer a igualdade tributária, prevendo a obrigatoriedade recíproca para a cobrança de tributos e o seu ressarcimento. Segundo a Fecomércio-SP, não há razão do tratamento diferenciado hoje adotado na cobrança de tributos vencidos por contribuintes e de precatórios devidos pelo Fisco. O contribuinte devedor deve arcar com multa, mora, juros e taxa Selic; e o Estado, ao efetuar pagamentos, além da demora na restituição ou ressarcimento, utiliza-se de critérios diferenciados para pagar sem aplicação dos mesmos encargos submetidos ao contribuinte. O anteprojeto não define o cálculo que deve ser utilizado, mas destaca que deve ser o mesmo usado para o Fisco e pelo contribuinte no momento do pagamento.
- Imputação de responsabilidade tributária
A proposta pretende criar regras sobre a imputação de responsabilidade, sem alterar as hipóteses de responsabilidade existentes no CTN. O anteprojeto acrescenta os §§ 3º e 4º ao Art. 144 do CTN para estabelecer que a imputação de responsabilidade se dê no ato do lançamento, exceto por fato desconhecido ou hipótese superveniente, e mediante notificação dé que esta imputação pode se dar posteriormente ao ato de lançamento. A medida quer assegurar os direitos do contribuinte ao contraditório, à ampla defesa e à lealdade processual.
- Critérios para retenção em malha
Pretende a obrigação de o Fisco informar previamente à declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) os critérios para a retenção em malha. É proposto que seja acrescido ao art. 45-A do CTN a obrigatoriedade de a autoridade tributária disponibilizar as regras e instruções para a declaração de ajuste do IRPF, com os critérios que serão utilizados para o exame das declarações que poderão resultar na retenção em malha.
- Prazo máximo para solução de consultas
A legislação tributária confere ao contribuinte a possibilidade de formular consulta a fim de tirar dúvidas ou buscar esclarecimento sobre o pagamento dos impostos. A resposta a essa consulta deve ser em prazo razoável, pois a demora na solução da consulta do contribuinte pode ensejar o pagamento do tributo indevido ou incorreto. A proposta é no sentido de inserir na legislação tributária, no Decreto n.º 70.235/72 expressamente o prazo de 120 dias para a resposta à consulta.
- Justificação para a ineficácia de consultas e regulamentação do procedimento de consulta no caso de perda de prazo
Pretende inserir no arcabouço do Processo Administrativo Fiscal (PAF) (Decreto n.º 70.235/72) dispositivos que estabeleçam como proceder no caso de perda de prazo do Fisco quando da solução de consulta tributária. Inúmeras são as situações em que, em decorrência da demora da resposta a consulta, o contribuinte acabe pagando indevidamente (a maior ou a menor), com evidente prejuízo para a posterior regularização no Fisco.
- Justa causa e mandado específico nos procedimentos de fiscalização
Propõe o acréscimo do artigo 123-A do CTN para que o mandado de fiscalização (documento que instaura a fiscalização) tenha as seguintes informações: o objeto preciso da fiscalização, o período a que ela se refere, a indicação da autoridade tributária que determinou a fiscalização e o modo pelo qual a legitimidade do mandado poderá ser verificada. Ainda, para que o contribuinte tome conhecimento e se certifique da legítima ação fiscal que se inicia, é proposto no texto que a fiscalização tenha início após 48 horas da apresentação do mandado fiscal ao contribuinte, tudo visando à transparência da relação entre as partes.
- Limita a instituição de obrigações acessórias
Pretende assegurar a estabilidade normativa e a previsibilidade da ação estatal. Sendo assim, propõe que seja incluído no CTN que as obrigações acessórias somente sejam instituídas até 30 de junho do ano anterior. A medida permite ao contribuinte estabelecer um planejamento no que tange à sua atuação empresarial, além de ter tempo para se adaptar a novas obrigações acessórias.
- Vedação da utilização de certidão negativa como sanção política
A proposta é acrescentar ao art. 208-A do CTN que a certidão negativa de débitos fiscais não impeça que o contribuinte participe de processo licitatório aberto pelo credor. Entre as restrições que causam uma certidão negativa, a pior é a impossibilidade de participação em processo licitatório, o que, para muitos contribuintes, significa a condenação do seu negócio, pois sendo inadimplente e não podendo atuar, não pode quitar suas dívidas com fornecedores, bem como com as Fazendas públicas.
- Unificação cadastral
A unificação cadastral da União, de Estados, do Distrito Federal e de municípios é antiga e justa reivindicação dos contribuintes. A medida significaria mais agilidade no desempenho das funções fiscalizatórias e, ao mesmo tempo, menos burocracia ao contribuinte. A proposta é inserir essa obrigatoriedade no CTN.
- Fixar sanções ao ente federado que não consolidar anualmente sua legislação tributária
Com a alteração do CTN, é importante que seja fixada sanção aos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios caso não editem decreto até o dia 31 de janeiro de cada ano com a consolidação da legislação tributária de sua competência. O objetivo é fixar a sanção pelo descumprimento desta obrigação que já existe no ordenamento jurídico (Art. 212 do CTN), mas é ignorada pelos chefes dos Poderes Executivos. Esse anteprojeto estabelece que o descumprimento de tal obrigação seja tipificado como crime de improbidade administrativa, por omissão.
- Vedação ao uso de medidas provisórias em matéria tributária e instituição do princípio da anterioridade plena
Embora a Constituição preveja que alterações na legislação tributária devem constar na Lei de Diretrizes Orçamentárias, eventuais brechas ou imprecisões propiciam a criação de tributos. Quando estabelecido por medida provisória, o novo tributo ou a alteração de um existente passa a ter efeito imediato, dificultando as atividades empresariais. A proposta, única que requer alteração constitucional, ainda prevê que, em caso de qualquer alteração na legislação tributária, seja respeitado o princípio da anterioridade plena, de modo que se propicie tempo suficiente para que os empreendedores equacionem seus negócios para suportar a carga tributária futura.
A proposta tem a grande vantagem de ser de aprovação e aplicação consideravelmente mais fácil do que qualquer outra que tenha que atravessar discussões constitucionais. Esse não parece ser o momento político adequado para discussões de emendas constitucionais relevantes, e, ao mesmo tempo uma resposta do Estado pode ser dada no sentido de simplificar (de fato) a vida do contribuinte. Adicione-se a isso que a adoção dos 12 pontos acima não cria períodos de transição nos quais as empresas teriam que conviver com dois regimes de escrituração e duas lógicas tributárias (e todas incertezas derivadas disso) por um longo período, sequer efetivamente sabendo qual a carga tributária que está destinada ao seu negócio.
Antonio Carlos Borges é economista e superintendente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP).
Fabio Pina é economista e consultor especialista em comércio e serviços.