PIB paulista não está tão mal como o do Brasil
O relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do Brasil no segundo trimestre deste ano, divulgado no início deste mês, mostrou que a queda relativamente ao primeiro trimestre foi de 9,7%, a pior da série de dados iniciada em 1996, perto de um quarto de século atrás! Foi nesse segundo trimestre, principalmente em abril, que a crise da covid-19 teve seu maior impacto econômico, mas em menor grau esse efeito já foi sentido no PIB do primeiro trimestre. As medidas governamentais que prejudicaram as atividades econômicas começaram apenas na segunda quinzena de março, e nesse trimestre houve uma queda de 2,5%, relativamente ao último de 2019.
Recentemente a Fundação Seade, do governo estadual, publicou sua avaliação do PIB paulista no segundo trimestre deste ano. Relativamente ao primeiro, a taxa também mostrou queda, mas de 7%, cerca de 30% inferior à de 9,7% do País, citada acima. No primeiro trimestre, relativamente ao último de 2019, a queda do PIB paulista, de 0,4%, foi bem menor que a do Brasil, já mencionada, de 2,5%.
Essas duas publicações permitem ampliar comparações como essas e fazer outras voltando ao segundo trimestre de 2019. Farei isso começando por estender essa já realizada, de taxas porcentuais de variação trimestral do PIB relativamente ao trimestre imediatamente anterior. Seguem-se essas taxas do PIB brasileiro e do paulista, em cada um dos cinco trimestres que vão do segundo de 2019 ao segundo de 2020, a do Brasil antecedendo a de São Paulo: 0,5% e 1,2%, 0,1% e 0,1%, 0,5% e 0,8%, -2,5% e -0,4%, e -9,7% e -7%. Como se vê, só no terceiro trimestre de 2019 as taxas foram iguais, nos demais as de São Paulo foram melhores ou menos ruins que as do Brasil.
Isso também ocorreu com as taxas porcentuais de cada trimestre relativamente ao mesmo trimestre do ano anterior: 0,5% e 2,4%, 0,1% e 2,4%, 0,5% e 2,8%, -0,3% e 2,9% e -11,4% e -6,5%. Elas mostram que o PIB de São Paulo estava crescendo bem mais que o do Brasil nos quatro trimestres até o primeiro deste ano.
No mês passado, outro comunicado da Fundação Seade mostrou que PIB de São Paulo chegou “… a março de 2020 com um crescimento anual de 2,6%. Tal dinamismo forneceu maior fôlego e capacidade de resistência em vários segmentos, principalmente no setor de serviços”. Como se sabe, o PIB do Brasil fechou 2019 crescendo a 1,1% no ano. Fatores que também pesaram nessa maior resistência do PIB paulista são apontados: 1) “… o sucesso nas medidas de controle da epidemia evitou o colapso do sistema de saúde e viabilizou a flexibilização gradual das restrições”; e 2) os programas federais de estímulos, como o auxílio emergencial de R$ 600 por mês, “… que cumpriram papel importante para uma relativa sustentação do consumo.”
Voltando à comparação das taxas do PIB do Brasil e do estadual nos últimos cinco trimestres, as taxas trimestrais acumuladas no ano até o segundo trimestre relativamente ao mesmo período do ano anterior foram, na mesma ordem acima: 0,8% e 2,0%, 1,0% e 2,1%, 1,1% e 2,3%, -0,3% e 2,9%, e -5,9% e -1,9%. E estas as taxas porcentuais acumuladas nos últimos quatro trimestres relativamente aos quatro imediatamente anteriores: 0,8% e 1,4%, 1,0% e 1,9%, 1,1% e 2,3%, -0,3% e 2,6, e -2,12% e 0,4%. Ou seja, nessas duas comparações o contraste favorecendo São Paulo é generalizado e ainda maior.
A Fundação Seade concluiu, no mesmo comunicado, que “… a projeção de recuo do PIB (paulista) em 2020 foi revisada de 5,3% para 2,7%”, que corresponde a cerca de metade (!) da taxa que várias previsões apontam para o PIB brasileiro, em torno de 5,5%.
Por que dou toda essa atenção ao PIB paulista, em contraste com a muitíssimo pequena que recebe no noticiário sobre a economia? A razão é que essa carência de atenção contrasta com as dimensões econômicas deste estado, até mesmo se comparado a países tidos como importantes. Recentemente levantei dados de 2018 do Banco Mundial sobre o PIB por países e do IBGE sobre os PIBs estaduais, neste caso a participação de São Paulo no total, e aplicando-a ao PIB brasileiro de 2018 publicado pelo Banco Mundial, sob o critério de paridade do poder de compra, que contorna a dificuldade de os preços dos bens e serviços serem diferentes entre países.
O PIB paulista foi estimado em US$ 1,008 trilhão e o país com PIB mais próximo desse valor foi a Argentina, com US$ 1,036 trilhão, bem perto do de São Paulo. Como ambos têm população aproximadamente igual, perto de 45 milhões, o PIB per capita de São Paulo também é muito próximo do da Argentina. Esses números confirmam a grande dimensão econômica de São Paulo em termos internacionais.
Com esse tamanho e seu produto interno bruto numa situação menos desfavorável que a do Brasil, São Paulo deveria olhar-se como um país e usar suas próprias forças para acelerar sua economia, ao mesmo tempo mandando a Brasília este recado: muito ajuda quem não atrapalha.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de setembro de 2020.
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.