Há proposições no Congresso Nacional que buscam flexibilizar o horário de veiculação do programa de rádio A Voz do Brasil. Pelas regras atuais, A Voz do Brasil é apresentada obrigatoriamente todos os dias úteis da semana no horário de 19 às 20 hs. Uma das alternativas propostas é permitir o horário de apresentação do programa entre o intervalo das 19 às 22 hs. Dessa forma, as rádios poderiam escolher, dentro da melhor conveniência, a retransmissão do programa.
Os debates no parlamento, sobre o tema, originaram três correntes de pensamento em torno do programa. A primeira posiciona-se pela extinção da obrigatoriedade da transmissão; a segunda corrente defende a continuação da obrigatoriedade com horário único e fixo para veiculação e, finalmente, há a que advoga pela manutenção da obrigatoriedade, porém, com a livre escolha do horário da transmissão.
A ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) tem pressionado os deputados e senadores pela aprovação da flexibilização. O argumento é que esse horário é considerado nobre, com potencial econômico grande para as rádios e, ainda, a mudança poderia colaborar na prestação de serviços. Dessa forma, poderia ser mais explorado comercialmente.
Outra corrente de atores políticos, que também são favoráveis à flexibilização, acreditam que a população teria ganhos com o fim da rigidez do horário. O argumento utilizado diz respeito ao horário do programa hoje em vigor, que é justamente o período onde ocorre o maior fluxo de trânsito nas grandes metrópoles brasileiras. Assim, os envolvidos, e muitas vezes presos literalmente no trânsito, deveriam poder escolher de forma a maximizar sua utilidade, fato que hoje não ocorre devido à obrigação de transmissão do programa.
Os atores políticos contrários à proposta partem do princípio de que as regiões do Brasil, menos favorecidas economicamente, saem perdendo com a flexibilização, visto que o acesso a jornais e televisão é mais restrito. Outro argumento questiona: quem vai fiscalizar se as emissoras de rádio estarão de fato transmitindo em horários diferenciados? Entretanto, quanto à punição, está estipulada na proposição a suspensão por um dia das atividades das emissoras de rádio que descumprissem as normas de retransmissão. Isso mostra que a punição está de acordo, já que o prejuízo da emissora é grande se ela contrariar a lei. Resta saber se a punição seria efetiva.
Não flexibilizar fere a liberdade de escolha do cidadão, uma vez que ter um horário obrigatório em rede nacional torna-se uma imposição que só encontra situações semelhantes em países com regimes políticos fechados e ditatoriais. Além do mais, flexibilizar corrigiria uma falha de mercado (concorrência desleal entre as TVs e as rádios, pois os primeiros não têm a obrigação de ceder espaço em horário determinado pelo governo). Entretanto, temos que considerar o ponto de vista do Estado, que deverá criar uma estratégia de informação que lhe sirva para defender os seus próprios interesses dentro das regras do jogo. Ou seja, adaptar os pontos de vista globais a um modelo que favoreça um determinado conjunto de interesses nacionais e sociais, sem que, com isso, comprometa a eficácia do poder.
A dificuldade para alteração das atuais regras se dá pelo jogo de interesses entre o governo, políticos sem concessão de rádio, ABERT e os políticos com concessão de rádio. A ferramenta utilizada para manusear esse jogo é o lobby. O interesse comercial da Associação, somado a políticos (com concessão), que estão trabalhando em causa própria, pode proporcionar externalidades negativas para a sociedade, uma vez que esses atores defendem suas próprias motivações.
Assim, cabe ao Estado regular a atividade para proteger o interesse público, porém, tomando os devidos cuidados contra possíveis falhas de governo. Uma delas é o privilégio do governo de dispor de um horário exclusivo para expor seus projetos e ideias, o que caracteriza um monopólio estatal, visto que a oposição não tem a mesma regalia. Com isso, perde a sociedade, pois é necessária uma pluralidade de informações, uma vez que os meios de comunicação, em uma democracia, deveriam levantar um debate de ideias para que os indivíduos possam formular suas próprias opiniões.
Outra situação de ineficiência é vista quando o mercado ou o Estado produziriam menos riqueza e bem-estar do que seria desejável e possível. Isso é decorrente de um problema na alocação eficiente dos recursos. Uma delas é o monopólio, onde o monopolista tem incentivos para aumentar seus preços e extrair parcela do bem-estar do consumidor. Para a presente discussão, torna-se especialmente interessante a análise do monopólio estatal, que coloca a imprensa oficial em cômoda situação na qual até mesmo a ineficiência e a má qualidade são premiadas pela fidelidade compulsória dos consumidores.
O Poder Judiciário, ao analisar a questão, utiliza a ótica estritamente legal, argumentando que a radiofrequência é uma concessão da União e, portanto, não cabe às rádios argumentarem que a obrigatoriedade da Voz do Brasil seja uma violação à liberdade de expressão. Isto é, não houve uma correta avaliação da eficiência ou do bem estar social, que estão inseridos no entendimento da análise econômica do direito.
O fato de o Estado deter o monopólio sobre o horário de transmissão do programa pode acarretar ineficiências, pois não há motivação para inovações. O Estado não tem incentivos para investir em melhorias e mudanças no programa, já que não conta com concorrência pela audiência. Isso fica mais evidente ao observar o formato padronizado e muito constante ao longo dos anos de transmissão. A consequência imediata é que, apesar da exclusividade do horário, não se está utilizando a melhor maneira de transmitir a informação.
Como o programa é uma das poucas maneiras pela qual a sociedade tem de receber notícias dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, seria prejudicial simplesmente extingui-lo. Assim, por meio dos seus representantes no Congresso Nacional ou por outros canais de comunicação, é importante que a população sinalize sua preferência pela manutenção ou flexibilização do horário. Dessa forma, diminuiria a assimetria informacional no processo decisório, fazendo com que, mesmo influenciados pelo lobby, os representantes atentem para o bem-estar social.
Bibliografia utilizada
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