Desde 2006, o Fórum Econômico Mundial divulga anualmente o Global Gender Gap Index (GGI), que quantifica a magnitude da desigualdade de gênero em mais de 100 países. Em 1º de novembro, foi publicado o GGI de 2011, que classificou o Brasil como 82º dentre 135 países no ranking.
Apesar de índices internacionais tenderem a formas quantitativas de mensuração, o GGI é inovador por combinar dados quantitativos aos qualitativos, estes obtidos pela Executive Opinion Survey do Fórum Econômico Mundial. Além disso, o GGI é o mais robusto dos indicadores de desigualdade de gênero, medindo as disparidades entre homens e mulheres em quatro dimensões, no total de 14 subíndices, de acordo com a tabela I a seguir.
Após serem calculadas as razões, ocorre a normalização dos subíndices por meio da equalização de seus desvios padrões. Os subíndices são então somados, gerando um número para cada dimensão. Posteriormente, é calculada a média das quatro dimensões e esta será igual à pontuação final do país, que pode variar entre 1(igualdade) e 0 (máxima desigualdade).
Em 2006, foram analisados 20 países a menos do que em 2011, e o Brasil, com uma pontuação igual a 0,6543, foi classificado como o 67º país dentre os 115 mensurados. Caso o número de países se mantivesse o mesmo em 2011, a pontuação brasileira, igual a 0,6679, classificaria o País na 76ª posição. Outrossim, nos dois períodos, o Brasil ficou abaixo do índice médio dos 115 países, igual a 0,6617 em 2006 e 0,6824 em 2011.
De 2006 a 2011, o crescimento médio dos índices foi de 4,03%, enquanto o Brasil apresentou uma pequena melhora de 2,1%. É um avanço realmente modesto quando comparado ao Lesotho e a Nicarágua, que aumentaram seus índices em 12,6% e 10,3% respectivamente. Mas é um progresso na busca da igualdade de gênero que não deixa de ser positivo, ao contrário de El Salvador, por exemplo, que viu seu índice diminuir em 3,9%.
O avanço concentrou-se no índice de participação econômica e oportunidades. Mas, apesar da maior inserção da mão de obra feminina no mercado de trabalho em comparação aos anos anteriores, a participação das mulheres ainda é aproximadamente 25% menor em relação à dos homens e a remuneração de homens e mulheres continua consideravelmente desigual.
O subíndice de igualdade salarial classifica o Brasil no último decil do ranking como o 124º país. Já o subíndice de profissionais técnicos, que mensura a mão de obra qualificada, surpreendentemente apresenta razão maior do que 1, o que significa maior quantidade de profissionais femininos do que masculinos, mesmo que, no geral, a taxa de desemprego de mulheres adultas seja 11% e a dos homens adultos, 5%. No total, considerando a média dos subíndices, o desempenho brasileiro na dimensão econômica obteve a pontuação 0,6490, ocupando a 68ª posição.
Entretanto, é necessário ressaltar que o GGI não quantifica o trabalho informal e/ou doméstico, o que denota falta de representatividade do índice para países que, como o Brasil, tem parte expressiva de sua renda vinculada à economia informal. Infelizmente, nenhum outro índice em voga preenche essa lacuna. O índice de desenvolvimento humano (IDH) elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) não desagrega seus subíndices por sexo. O Gender-Related Development Index (GDI) também criado pelo PNUD é considerado indicador de desenvolvimento e não de desigualdade, por não ter razões entre mulheres e homens como sua base de cálculo. O Social Institutions and Gender Index (SIGI) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) aborda o aspecto institucional da desigualdade de gênero e o Gender Equity Index (GEI) da organização Social Watch estuda o poder político, a educação e a participação econômica, mas não analisa a esfera da saúde, como faz o Global Gender Gap Index.
A dimensão concernente à saúde é a de melhor performance nacional no GGI, repetindo o que já havia sido observado em 2010, pois o Brasil obteve novamente a pontuação máxima, garantindo a 1ª posição junto a mais 37 países. Mas, isso não significa que o sistema de saúde brasileiro tenha qualidade satisfatória – o GGI não é um índice de desenvolvimento, mas de desigualdade de gênero. Logo, a pontuação representa apenas que há condições de igualdade entre homens e mulheres nessa esfera.
Também a educação brasileira é bem avaliada quanto à igualdade de gênero, mantendo-se a pontuação de 2010, igual à 0,990, sendo classificado como o 66º país nesse índice. A taxa de alfabetização é a mesma para homens e mulheres, havendo uma pequena prevalência masculina no ensino fundamental. Contudo, no ensino médio e no superior, as mulheres são mais numerosas do que os homens.
A dimensão política é a de pior desempenho do Brasil nos seis anos analisados, sendo classificado em 2011 como o 114º, com uma pontuação igual a 0,053, atrás de países como Chade, Mali e Azerbaijão. Esse cenário, contudo, apresenta-se melhor do que o do ano anterior, quando o índice político brasileiro obteve pontuação igual a 0,049. Vale ressaltar que o poder político tende a ser a dimensão mais desigual em todos os países analisados, mas a representatividade das brasileiras na política é ínfima e realmente alarmante, apesar da eleição da presidente Dilma Rousseff e das tentativas de se implementar uma política eleitoral efetiva de cotas para mulheres desde 1995.
As regras sobre a participação política feminina estabelecem apenas uma reserva partidária de vagas que, muitas vezes, acabam por não ser preenchidas, devido a uma gama de fatores culturais, sociais, econômicos, psicológicos e institucionais. E mesmo que as vagas sejam preenchidas, isso não significa necessariamente que haverá um maior número de mulheres eleitas.
Vários países latino americanos foram classificados de forma significativamente superior ao Brasil no quesito político. A Argentina, por exemplo, possui a 20ª colocação nesse índice, próxima do Chile na 22ª. Também no ranking geral, ambos estão melhor que o Brasil – o Chile está na 46ª posição e a Argentina na 28ª, a melhor classificação da América do Sul, enquanto na região, o Brasil é o último colocado, devido principalmente ao seu péssimo desempenho na política, atrás de vizinhos como Paraguai, Bolívia e Peru.
O desafio brasileiro, portanto, consiste em estender os bons resultados da educação para a economia e para a política. A qualificação profissional feminina deve servir de base para maior participação das mulheres no mercado de trabalho formal e para remuneração salarial igualitária, além de uma representação política, no mínimo, mais expressiva.
As mensurações fornecem subsídio para mover o debate analítico sobre a igualdade de gênero de uma postura passional para um posicionamento concreto baseado em argumentos objetivos, pois o que é medido e documentado é mais facilmente combatido. Assim, dar visibilidade ao posicionamento desigual de homens e mulheres na sociedade é fundamental para desconstruir o caráter estrutural da desigualdade de gênero, um dos mais persistentes eixos de desigualdade.