Em 2010, foram divulgadas notícias de que a criação de empregos com carteira assinada foi recorde no país. Mas será que o otimismo dominante permite que o problema de criação de emprego seja colocado em segundo plano? Apesar dessas sucessivas notícias que divulgam como ótimo o desempenho do mercado de trabalho brasileiro ao longo dos últimos anos, não se pode esquecer que a taxa de desocupação em maio de 2010, conforme a Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE), ficou em 7,5%, o que significa dizer que mais de 1,8 milhão de pessoas procuravam emprego no Brasil.
Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1], com foco em informações prestadas pelas prefeituras, mostra que as iniciativas que procuram facilitar a alocação da mão de obra no mercado de trabalho estão entre os principais serviços socioassistenciais realizados pelos governos municipais brasileiros . Em mais da metade das cidades se acredita que o enfrentamento das situações de vulnerabilidade social passa pela inserção ou reinserção no mercado de trabalho. Esse fato, por si só, demonstra a importância de um posto de trabalho para a sociedade.
É provável que a taxa de desemprego no Brasil esteja subestimada em virtude do elevado subemprego. O grau de informalidade ficou em 36,9% dos ocupados no mês de setembro de 2010[2]. A persistência da elevada informalidade no mercado de trabalho, não obstante o rápido crescimento econômico, indica a existência de barreiras estruturais na transição do trabalhador para o mercado de emprego formal.
Como fazer para se criar empregos de qualidade para todos os brasileiros que desejam trabalhar? A resposta a essa questão está diretamente relacionada com a legislação trabalhista vigente.
O mercado de trabalho tem a função de fazer a ponte entre a procura por mão de obra e a oferta de trabalho. Ele deve ser um facilitador do encontro entre oferta e demanda de mão de obra. É de suma importância, portanto, que esse mecanismo esteja funcionando perfeitamente. Caso contrário, o crescimento econômico pode não causar impacto positivo sobre os empregos ou, ainda, os investimentos em educação e novas tecnologias podem não significar ganhos de produtividade e melhores salários (devido à incapacidade do mercado de trabalho para fazer o “casamento” mais adequado entre trabalhador e empresa).
O funcionamento do mercado de trabalho pode ser afetado de três formas:
a) pelas regulamentações, a exemplo das normas que regem a demissão de trabalhadores;
b) pelas intervenções, como os programas de seguro-desemprego.
c) pelas instituições, como os tribunais da justiça trabalhista;
A regulamentação dos litígios trabalhistas e da negociação coletiva sofreram pouca mudança desde que foram estabelecidas na década de 1940 com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. O Brasil precisa fazer uma avaliação desse sistema, de modo a manter o que está funcionando e alterar o que não funciona tão bem.
Talvez nossas leis trabalhistas tenham sido bastante apropriadas para as condições das décadas de 1950 e 1960, mas agora certamente estão apresentando sinais de obsolescência. A regulamentação para o mercado de trabalho é necessária para garantir condições de trabalho seguras e justiça nos contratos de emprego. Algumas regulamentações destinam-se a garantir o pagamento mínimo e a segurança do emprego, mas, quando obrigam trabalhadores e empregadores a contratos demasiadamente restritivos, podem acabar prejudicando a capacidade do mercado de trabalho de se ajustar com flexibilidade para promover o emprego e a produtividade.
Um exemplo típico de inadequação da legislação está nas regras que regem o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Criado com o objetivo de ser uma poupança do trabalhador e uma proteção contra a perda de renda gerada pelo desemprego, ele é hoje fonte de grande distorção das relações de trabalho provocando curta duração dos contratos de trabalho e a alta rotatividade dos trabalhadores nas empresas. Estudo realizado pelo Banco Mundial e pelo IPEA, citado ao final do texto, estima que um de cada três trabalhadores brasileiros muda de emprego a cada ano.
Apesar de a rotatividade ser inerente a qualquer mercado de trabalho, ela gera custos (indenização dos demitidos, por exemplo). Se esses custos são altos, os empregadores, na expectativa de ter sua força de trabalho renovada constantemente, têm menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores.
As regras do FGTS geram tal distorção porque quando a conta vinculada ao trabalhador acumula um saldo grande, o empregado tem incentivo a provocar sua demissão, de forma a se apoderar do dinheiro. Com essa característica do fundo, patrões e empregados não esperam que os contratos durem muito tempo. Além disso, a multa rescisória é paga diretamente ao empregado, o que reforça seu interesse em provocar a demissão, especialmente num período de crescimento econômico, em que arrumaria outro emprego facilmente.
Pelo lado do empregador, o preço da demissão é alto quando o funcionário tem muito tempo de emprego, pois maior será o valor da indenização que lhe é devida. Isso significa que as empresas que têm como política investir em seu quadro de funcionários serão as grandes apenadas. As maiores beneficiárias serão as empresas que rodam seu pessoal de três em três meses.
As intervenções do governo são necessárias especialmente quando a situação macroeconômica não está favorável. Por exemplo, os programas públicos de treinamento e qualificação do desempregado podem melhorar o nível de emprego e a produtividade. No entanto, apesar de ser uma importante ferramenta, o que se observa da qualificação profissional liderada pelo governo federal é a existência de cursos que passam apenas noções gerais, com poucas aulas práticas, cujo ensino é prejudicado pela heterogeneidade das turmas. Além disso, como se optou por descentralizar as ações de qualificação profissional para estados e municípios, com respectivo repasse dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vários focos de corrupção e má aplicação de recursos públicos foram encontrados.
O Brasil precisa encontrar a dosagem certa de regulamentações e intervenções, além de um desenho institucional correto, para atingir os objetivos de emprego, produtividade e segurança.
Por fim, as relações de trabalho são altamente afetadas pelas instituições, como a Justiça Trabalhista, cujas decisões consideram recursos previstos em um antigo direito processual do trabalho. Todos os anos, trabalhadores interpõem cerca de dois milhões de ações judiciais contra empregadores. As empresas assumem o custo das taxas federais e legais, mas o maior custo resulta do fato de as empresas se tornarem mais cautelosas no tocante às novas contratações, reduzindo assim o emprego formal.
Há uma confluência dos estudiosos para a ideia de que o correto seria empreender reformas trabalhistas que permitissem determinar corretamente o preço da mão de obra e promovessem o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos necessários para aumentar a produtividade da mão de obra e os salários. É consensual a necessidade urgente de se diminuir drasticamente os encargos da folha de pagamento, pois o custo relacionado ao salário é muito alto para o Brasil e estimula a informalidade no mercado de trabalho. Outra medida é oferecer mais autonomia para que trabalhadores e empresários possam negociar seus contratos de trabalho, sem tanta interferência da legislação. Note-se que não se defende o fim de direitos básicos: eles são importantes para preservar o capital humano do país. No entanto, é difícil crer que uma única legislação trabalhista possa atender de forma eficiente nosso heterogêneo parque produtivo ou possa atender tanto à indústria quanto ao setor de serviços.
Nesse sentido, nosso mercado de trabalho deveria caminhar numa direção de maior flexibilidade. Seria bem-vinda proposta que fizesse os contratos refletirem as condições específicas da empresa empregadora, desobrigando as firmas e os trabalhadores de seguirem o modelo rígido da CLT.
Para ler mais sobre o tema:
Meneguin, Fernando B. “O Funcionamento do Mercado de Trabalho e as Políticas Públicas para a Criação de Emprego”. Em Agenda Legislativa para o Desenvolvimento Nacional. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/agendalegislativa.html
Banco Mundial e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Empregos no Brasil”. Volume I: Sessão Infomativa sobre Política. 2002.